Ora, se o grafite que foi visto de relance da janela do ônibus diz mais que a análise do crítico de arte… se os olhos daquele menino no sinal fechado miram as bolinhas do malabarismo com a mesma acuidade daquele outro que segura uma arma lá na quebrada… Como coletar esses flashes de imagens e conectá-los nas telas da cidade outdoor? Qualquer lágrima que teimasse em transbordar seria fruto mais da poeira preta do que dos sentimentos que pudessem aflorar. Que se abram as cervejas estupidamente. Geladas de suor frio as mãos seguram os ferros dos bancos dos coletivos lotados que seguem as rotas dos infernais círculos urbanos. Aquela menina distante em sua sensualidade que não está nem aí. O olhar do jovem funkeiro que avalia o território que se finge terra de ninguém. O aposentado que repensa seu catálogo diário de coisas comuns à espera de um acidente ou assalto para que tenha sobre o que falar com todos os quase amigos… O garotinho que caminha para a escola na esperança de que não haja aula, mas que se arrepende ao ver a professora. Aquela senhora que para na faixa e espera que o pedestre marrento desfile sua empáfia para que possa seguir seu caminho na santa paz dos justos e pacientes. Desafiando a praça onde os craqueiros assustam e subvertem o cotidiano, o cara de terno passa reto, rente ao poste que cheira a mijo de cidade e cachorro. E pensar e imaginar, cheio de um medo sem aperto no peito, que algum desses personagens poderá (quem sabe?) parar para ler essas linhas. Mas caso não leiam, tudo bem. Pois o sol, gostoso e agora outonal, dialoga com o ventinho bom que acalma e sossega quem ainda pensa em coisas de paz e espírito.
Jorge Nascimento é doutor pela UFRJ, professor do Departamento de Línguas e Letras da Ufes e escreve quinzenalmente neste espaço.