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Carioca criou forma especial de racismo

Em visita à agradável cidade de Florianópolis, enquanto procurava pelo manobrista para o carro à porta do hotel, me dei conta de que existe uma forma de racismo muito específica praticada em cidades como o Rio de Janeiro, cuja tradição escravagista está todos os dias estampada nas ruas e nas relações entre as pessoas. Até que o manobrista se dirigisse a mim, gentilmente, se oferecendo para buscar o meu carro, não havia atribuído àquele homem branco, quase grisalho, já nos seus 60 anos, função tão subalterna. Por que no Rio de Janeiro, a subalternidade é tida como naturalmente negra, resultado da sobreposição entre as desigualdades raciais e econômicas que aqui imperam?

É verdade que Florianópolis é uma das capitais com menor índice de desigualdade de renda, o que contribui para reduzir também a discriminação de classe que marca o preconceito no cotidiano do carioca. Aqui, como a pobreza é negra, a subalternidade idem, e parece tão natural associar a pobreza, a negritude e a criminalidade que, na semana passada, mais de 150 adolescentes foram retirados pela polícia de ônibus onde viajavam dos bairros pobres para as praias da zona sul sob a justificativa de prevenção a futuros crimes que por eles seriam cometidos.

A contaminação entre discriminação de raça e de classe é tão intensa que produziu, no final de semana, um episódio desagradável percebido pelo neurocientista norte-americano Carl Hart. Negro, de longos cabelos dreadlocks, ele teria sido seguido por um segurança ao entrar no hotel onde se hospedaria para uma conferência, confirmando o que vemos na cidade todos os dias. Por ser PhD, por ser convidado especial do seminário sobre drogas que ali se realizaria, uma eventual discriminação racial contra Hart imediatamente tomou de indignação as redes sociais e o noticiário.

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O mesmo não se vê na discriminação nossa de cada dia contra negros anônimos, sem escolaridade, sem visibilidade, cuja condição de subalterno torna o preconceito “normal”. Mesmo sem ter sido abordado por seguranças do hotel, o neurocientista não pode deixar de observar a ausência, na plateia de centenas pessoas, de qualquer participante negro para ouvi-lo falar sobre como a política de combate às drogas tem servido para trancafiar jovens negros pobres nos EUA. Não muito diferente do cenário carioca, onde relatório da Anistia Internacional contabilizou que, das 1.275 vítimas de homicídio praticados pela política entre 2010 e 2013, 79% eram negros. E até aqui, também invisíveis. Como esses arrancados dos ônibus que, até agora, só ganharam registros policiais.

O jornalista Xico Vargas mantém a coluna ‘Conversa Carioca’, de segunda à sexta-feira, no jornal ‘BandNews Rio 2a edição’, além da coluna ‘Ponte Aérea’ em xicovargas.uol.com.br.

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