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Chispa agora da minha cozinha!

Rubem-PenzNa sua casa, de quem é a cozinha? A pergunta pode parecer estranha, mas é real: assim como numa matilha há um único macho alfa, ou como existe uma só cadeira para a presidência da República, a cozinha de uma casa tem comando superior. E a ascendência culinária não precisa, necessariamente, estar atrelada em outro tipo de liderança (econômica, hierárquica, proprietária). A frase ali do título, por exemplo, era da Ercília, a cozinheira da vó Morena – uma espécie de Tia Nastácia da minha infância, ainda que com tempero bem particular. Ouvíamos seu brado tão logo nossa presença infante ameaçava a ordem estabelecida na “sua” cozinha, e ai de quem não sumisse!

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Hoje, neste Brasil tão urbano de século 21, escassos lares têm as nuances das histórias de Monteiro Lobato. Tampouco se espera avós com a rotina da Dona Benta. Mesmo assim, reitero, em toda casa alguém manda nos limites entre a sala de jantar e a lavanderia. Pode ser até a contragosto: esperando o impeachment com sofreguidão, rogando por desocupar-se das funções sem o menor constrangimento. A regra, porém, é o dono (ou dona) da cozinha ter severo apego ao cargo e muito ciúme do espaço. Compreenderá a presença de estranhos como uma ameaça territorial, a menos que sejam turistas. Mesmo assim, desde que não se metam a dar palpites nas questões internas.

Nenhum corretor de imóveis pode adivinhar quem será o dono da cozinha do imóvel que expõe aos interessados. Estatisticamente, terá mais chance se apostar na mulher, quando houver uma e acompanhada de um homem. Ainda assim, será palpite: exaltar para ela o luxo da pia com duas cubas pode soar indelicado, machista, ofensivo. Ou inócuo. A suíte é do casal, o segundo quarto é dos filhos, a sala é da família. Mas, a cozinha, essa é um mistério. Para saber qual pessoa bajular, o vendedor precisaria conhecer a rotina do grupo. Ver quem zela pela ordem, quem determina as funções, quem abastece os armários. Quem, em determinado momento e circunstância, ordena: “Chispa agora da minha cozinha!”.

Caso você viva em um lar democrático e participativo, numa cooperativa familiar, num kibutz doméstico, a existência da propriedade de forno & fogão pode ser atenuada até o ponto de quase se diluir. Nestes casos, para responder minha questão, fique atento aos sinais. Primeiro: será alguém que sabe onde está o triturador de alho, a noz moscada, a essência de baunilha. Segundo: será aquele que disser para você executar uma tarefa simples (picar, separar, misturar) e, ainda assim, indicar como se faz. Terceiro (e último): jamais será quem, diante da ordem ditatorial, chispará. Onde já se viu, sua? É a minha cozinha!

Rubem Penz é escritor, músico, publicitário, baterista e compositor. Autor de “Enquanto Tempo” e coordenador da oficina literária Santa Sede crônicas de botequim. Seu site é rubempenz.net

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