Qualquer um que se propuser a fechar os olhos (com trocadilho) tem condição de imaginar os possíveis resultados de um duelo, desses dos antigos filmes de faroeste, entre pistoleiros cegos, ambos armados com as pistolas mais potentes do mercado, e cercados de expectadores ávidos pelo seu desfecho. Licenças literárias à parte, essa cena é, sem tirar nem por, a que, hoje, nos abrange a todos no Brasil.
A disseminação do acesso público e o gosto da população pelas redes sociais, onde o achismo é regra, a prudência é rara e a vaidade é bússola, têm nos jogado (e aí nem falo das loucuras protagonizadas pelos Trumps da vida) em uma vala comum profunda e cada dia mais perigosa.
Pois então imagine, se conseguir, um debate público, em redes sociais, em torno de assuntos médicos ou de engenharia… Um grupo de populares, aguerridos, defendendo a adoção de cirurgia invasiva para tratar de tal lesão, tendo como oponentes seus vizinhos, igualmente nervosos, pregando que a melhor solução é a aplicação de tal remédio… Ou uma turma, de espírito armado, gritando em favor da construção de um muro de arrimo para conter uma encosta instável, enquanto seus adversários, em tom de ódio, sustentam que o correto, naquele caso, é empregar uma cortina atirantada…
Impensável? Insólito? Quase ridículo? Pois é exatamente isso que assistimos há muito tempo em nosso país! Nos idos do julgamento do Mensalão, pelo STF, ouvi duas senhoras, nas quais não reconheci, pelo discurso, nenhuma jurista, debatendo ferrenhamente o cabimento, na Corte Suprema, de embargos infringentes em matéria penal.
Não que isso (a popularização) deslustre ou diminua a importância dos profissionais do mundo jurídico. De certa forma é até bom perceber que a sociedade brasileira está mais em sintonia com, pelo menos, a existência de algumas instituições.
O problema reside no fato de que quem se pega a duelar sobre assuntos tão complexos como se fossem prosaicos causos de botequim termina, quase sempre, o fazendo com alma de torcedor e, nessa condição, dá ao tema cores e sabores de paixão que, sabemos todos, é, de todas as abstratas, a causa maior da cegueira humana. Daí a alusão ao duelo de cegos.
Nesses episódios, metafóricos ou não, sempre existirá a possibilidade de um dos duelistas ferir de morte o outro. Até mesmo de ambos se acertarem. Todavia a probabilidade de danos colaterais é muito maior já que a torcida, de ambos os lados, aumenta a cada dia, sem a mínima percepção de que os motivos que fizeram os cegos duelarem, na maior parte das vezes, não passam de questões pessoais existentes há muito entre os dois, mas os prejuízos, que eles estão acostumados a contabilizar, são sofridos por todos aqueles que apenas queriam torcer para um lado.