Pouca gente ousa assumir que mais lhe interessa conhecer as leis para burlá-las do que para cumpri-las. Em qualquer país onde seguir fiel e respeitosamente as regras é mais penoso e menos recompensador que desprezá-las, mais dia, menos dia, o caos se instala, exatamente porque essas normas de convivência, sejam aquelas dispostas na Constituição, sejam as do regimento interno dos condomínios, são criadas e mantidas para disciplinar a conduta de cada um de nós que decidimos viver em sociedade.
A burla à lei é uma espécie de diabinho que nos habita, coçando com mais ou menos intensidade nossas vontades, às vezes em situações simples e cotidianas, como a daquele motorista que conduz um carro possante por uma estrada onde a velocidade é limitada, porém nada lhe induz a pensar que naquela imensa reta haverá radares, redutores ou patrulheiros capazes de flagrarem sua rápida transgressão.
E assim se dá quando entregamos, como espiões na guerra fria, dinheiro a um conhecido bem posicionado na extensa fila do cinema, ou quando paramos nosso carro em fila-dupla na saída da escola para que nossos filhos, “rápidos como um raio”, entrem nele. Fomos acostumados, desde tenra idade, física ou cultural, a acreditar que para tudo existe um jeito, menos para a morte.
Não é isso que ouvimos desde os tempos criança? Quando se trata de cumprir uma regra, ou nos submetemos aos seus limites e consequências, mesmo que rígidos ou drásticas, ou simplesmente agimos fora da lei, como marginais (marginal define, entre outras coisas, aqueles que vivem à margem da lei), assumindo sorridentes um “selfie-cafajeste”.
O tal jeitinho — próprio do ser humano e não patente brasileira — é tão somente um mecanismo de burla, de desrespeito àquela regra que nos incomoda porque somos preguiçosos a nos adaptarmos a ela, como não subir molhado de praia no elevador, ou porque somos cobiçosos além de seus limites, que estabelecem um preço máximo para determinada obra pública.
Ao longo dos séculos enfiamos ouro dentro de santos para fugirmos aos fiscais de mina, colocamos pedra dentro de carregamentos de açúcar ou dentro de caçambas de lixo para recebermos mais pelo produto ou pelo serviço, compramos recibos para fraudar o imposto de renda, fazemos gatos de energia e não avisamos o erro na conta do restaurante não porque somos piores que noruegueses ou mais espertos que japoneses, mas porque ao contrário deles temos incrustrada em nosso caráter a noção de que as consequências para tais condutas, acaso flagradas, derretem ao sabor de um “foi mal aê” ou debaixo de uma nota passada ao guarda.
Esse é o nosso maior problema. Essa é a nódoa moral e cultural que nenhuma “lava-jato” é capaz de limpar sozinha. É uma questão de escolha.