Já vi acontecer mais de uma vez algo parecido com isso: no horizonte, quando tomado por uma imensa massa de nuvens negras, o tempo promete roubar todo o encanto do céu. E como se comandado por um misterioso interruptor, o vento nasce do vazio e sacode com vigor as copas das árvores, derruba placas, faz voar as cortinas das casas. Então, o dia vira noite sobre nossas cabeças, despenca a temperatura, retumbam trovões tão graves a ponto de serem sentidos no peito… e tudo isso passa sem ser derramada uma só gota de chuva.
Durante este período, homens e mulheres correm para evitar o pior: chamam as crianças para dentro, recolhem as roupas do varal, fecham portas e janelas; os bares com mesas na calçada estendem o toldo ou, pensando em possíveis danos, retiram o mobiliário que está ao relento; o trânsito fica nervoso, com motoristas apressados para chegar ao destino em segurança; pedestres aceleram o passo, seguram a barra das saias, buscam refúgios; nas paradas de ônibus é quase audível a prece para que o coletivo não demore – numa tempestade, nem os sempre prevenidos donos de guarda-chuva escaparão ilesos… e tudo passa sem ser derramada uma só gota de chuva.
As rádios emitem alertas incessantes, causando um aperto no peito de quem está abrigado: onde andará meu filho? Minha esposa? Os cães nas casas podem fugir… O cenário de apocalipse encanta os habitantes dos andares mais altos dos arranha-céus, que batem fotos com seus smartphones de última geração e publicam nas redes sociais: é o fim dos tempos! (Mas não acreditam nisso.) O mendigo, por sua vez, dormindo embaixo da marquise, está entorpecido pela cachaça, pela miséria, pela dor e mal repara no aconchegar-se a mais do vira-latas. E ele não acordará, pois tudo passa sem ser derramada uma só gota de chuva.
Não se pode em sã consciência censurar quem propaga o risco que habita as nuvens escuras no horizonte, ou os que correm para se protegerem dos augúrios vindos no vento; ou os crentes, os desconfiados e até os que duvidam da iminente catástrofe. Todos estão sob o impacto dos sentidos – e os sinais apontam para o pior. Confirmado ou não o que parecia inevitável, prevenir-se sempre terá sido o correto. Agora, por favor: se não chover – contrariando as aparências –, deixemos as crianças voltarem aos balanços sem desdizer o céu aberto. Já vi mais de uma vez acontecer algo parecido com isso.