Dezembro era um mês de muitos tons: árvores floridas em amarelo, vermelhas notas escolares, convite azul das águas da piscina e, na caixa de correio, multicoloridos cartões de Natal. Votos de saúde, felicidade, prosperidade e paz. Localizo o leitor no tempo: refiro-me ao final dos anos 1970, começo dos 1980 – minha adolescência e juventude. Época em que eu morava na casa da família e assistia minha mãe, Dona Isolde, emoldurar a lareira com a coleção anual de cartões vindos de toda parte. Dela também era a responsabilidade de elencar os nossos, inclusive aqueles em reciprocidade. Época de muitos lugares à mesa em ceias com pompa e circunstância.
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Na década seguinte, em minha própria caixa de correio, o movimento já não era tão significativo. Como consolo, os filhos seguiam referidos nos cartões chegados lá na casa paterna – nem todos os parentes tinham nossos endereços ou o desejo de desmembrar os votos para mais três ou quatro emancipados CEPs. A mãe, sempre ela, permanecia a expor os muitos cartões, convidando para lermos mensagens – lareira aquecida com palavras de fé. Zelosa guardiã das tradições de final de ano, cultivou em nossos corações o respeito e o prazer pela oportunidade de convívio ao som de “O Tannenbaum”. Guardo na memória Natais incríveis. Luminosos, sonoros, saborosos.
Hoje, uma certeza: se chegar à minha porta um cartão de Natal, ele será de uma loja, hotel ou marca. Votos válidos, ok., mas de correspondência promocional. Ninguém me ama? Ninguém me quer? Ninguém me deseja um ano bom? Calma… Ocorre, desde a virada do milênio, de os cartões migrarem para a virtualidade. Primeiro, vinham por e-mail para nossos computadores de mesa. Depois, derramaram-se nas redes sociais feito cascata de fogos em Copacabana. E já adivinho o espocar em tantos e diversos grupos de Whats-
App: inéditos, repetidos, virais. Ainda assim – vá lá –, lindos, criativos e alvissareiros cards.
Porém, a nudez das bordas da lareira da mãe sussurra em meus ouvidos. Havia, certamente, uma dedicação a mais. Nela, a maior carga de carinho. Ao invés de milhares de pessoas alcançadas pela postagem, dezenas de amigos próximos a ler frases em próprio punho. Isso não é uma queixa, é tão-somente uma constatação. Nada grave a ponto de me mobilizar até a livraria da esquina e, depois, para a agência dos Correios. Talvez isso tudo nem seja saudade dos cartões físicos, e sim de outro Rubem, feito Jesus, ainda menino.