Com a suspensão ontem do julgamento sobre a condenação em segunda instância, quando o placar registrava três votos a um, ficou para hoje o que poderá ser a reunião mais relevante do Supremo Tribunal Federal dos últimos anos. Nesse julgamento, de resultado imprevisível, mas de placar seguramente apertado, o Supremo estará dizendo basicamente o seguinte: quem for condenado em primeira instância e se essa decisão for confirmada por um órgão de segunda instância, o réu terá que começar a cumprir a pena já preso, o que não o impedirá de recorrer das duas sentenças anteriores. Foi isso o que o STF decidiu em novembro de 2016, contrariando decisões anteriores, baseadas na Constituição da República.
ANÚNCIO
A Constituição diz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e, mais adiante,“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É o texto da lei sobre o qual não é preciso haver explicação ou interpretação. Mas a decisão de 2016 criou, assim, uma distorção no texto, escrito em 1988 por Assembleia Nacional Constituinte – e não por seis juízes, apenas contra os quais cinco votaram contra. E de lá para cá tem sido assim. Houve quem dissesse que uma decisão agora contra a prisão em segunda instância poderia colocar em liberdade mais de 100 mil presos. É uma fake News. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, pouco mais de 4.800 detentos – o Brasil tem mais de 700 mil presos, a maioria sem julgamento – poderiam se beneficiar da decisão, assim mesmo, de acordo com o voto do relator ontem, só ganhariam a liberdade aqueles que não oferecessem perigo à sociedade. Ou seja, o ministro Marco Aurélio colocou um filtro em seu voto contra a prisão após condenação em segunda instância.
É evidente que a matéria é polêmica, quando nem deveria ser. Se existe um texto na Constituição que diz quando alguém pode ser preso ou não, acabou. É só seguir o que diz o texto. Mas nem todos os ministros pensam assim e alguns ainda gostam de enfeitar o pavão, surfando na onda da, digamos, justa indignação popular. Aliás, foi assim em 2016, quando seis ministros se sentiram empolgados pelas manifestações populares, muitas insufladas por vazamentos ilegais que ganhavam o caminho da Rede Globo, caprichosamente, e reescreveram a Constituição. Daí o julgamento de ontem pedido, entre outros, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Agora é esperar o resultado.