Em 2017, o “Guerrilla Girls”, grupo de mulheres artistas e ativistas, ficou conhecido pelo público brasileiro por suas performances usando cabeças de gorila no Masp. No entanto, suas integrantes gritam a falta de espaço para as mulheres nas artes há pelo menos 36 anos. “As mulheres precisam estar nuas para estar no Museu de Arte de São Paulo? Apenas 6% dos artistas em exibição são mulheres, mas 60% dos nus são femininos”, dizia o cartaz, adaptado para a realidade brasileira após denúncia semelhante no Metropolitan (NYC).
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Apesar de protestos tão antigos, a discrepância mudou pouco. O National Museum of Women in the Arts, em Washington, tem números atualizados que demonstram isso: somente 8% das galerias representam mais mulheres do que homens e 87% das obras em grandes coleções foram produzidas por eles.
No Brasil, embora algumas artistas plásticas tenham sido reconhecidas em vida por seus papéis em movimentos transformadores no passado (Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Maria Bonomi, Tomie Ohtake, etc) e no presente (Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, entre outras), falta representatividade.
Em 2017, a pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni, da USP, apresentou estatísticas que comprovam a disparidade. À época, havia sete mulheres entre 113 obras da coleção Freitas Valle. A Pinacoteca de São Paulo tinha 20% da coleção composta por nomes femininos, ante os 22% de Inhotim (MG).
Durante os anos 1970, especialistas, como a historiadora da arte Linda Nochlin, já se preocupavam em derrubar uma das principais justificativas no século 19 para a ausência das mulheres: “a falta de criatividade”. Entre as principais razões, na verdade, estava a proibição delas nas academias de arte.
No presente, iniciativas como a de Mia Siufi tentam diminuir essas lacunas. Há dois anos, a marchande (negociante que compra e vende obras de arte) fundou em São Paulo a Supernova Arts, galeria apenas para mulheres. Atualmente, a empresa, que conta também com as marchandes Michelle Trepat e Mila Costa, representa 13 artistas. O time vai crescer em breve, já que o espaço abriu editais para artistas trans, negras e indígenas. A galeria também tem um projeto de financiamento de insumos para artistas carentes. Abaixo, Siufi fala sobre sua experiência.
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Entrevista: Mia Siufi
Marchande paulista lidera há dois anos a Supernova Arts, galeria de arte que representa apenas mulheres. São 13 artistas (e a turma deve aumentar em breve)
Fale um pouco de seu histórico no mundo da arte.
Minha mãe era estilista e meu pai é marchand. Nasci em um meio criativo, com artistas e culturas diferentes. Meu pai é da Bahia e, minha mãe, de São Paulo. Foi interessante a forma com que o mundo foi se construindo à minha volta e a arte sempre me ajudou a ter visões diferentes, a enxergar outras realidades e a expandir a minha consciência. Foi um caminho natural para mim, tenho uma identificação muito forte com a arte. É uma motivação muito pessoal. Comecei auxiliando o meu pai. Depois, integrei a equipe dele e, aos 21 anos, me tornei proprietária de uma galeria, a Banco de Arte, como sócia do meu pai. Passei por administração, relações com clientes internacionais, consultorias, curadorias de exposições e eventos. Foi uma dinâmica que me permitiu experimentar diferentes posições dentro do mercado da arte.
Como surgiu a ideia para a Supernova Arts?
Depois de dez anos, fiz uma pausa no mundo da arte e fui experimentar outras situações. Fiz uma pesquisa porque queria entender qual era a lacuna do mercado da arte que eu precisava preencher. Quando você fica muito tempo em uma profissão, você precisa continuar se inspirando. Neste estudo, foi chocante para mim ver como ainda estava o mercado da arte e o tamanho da desigualdade que existe para profissionais mulheres de modo geral, sejam artistas ou marchandes. Foi aí, há dois anos, que resolvi abrir a Supernova, só com mulheres, com muito profissionalismo e conectada com o código de ética internacional de galeria de arte. Fomos pioneiras na América Latina.
Que experiências as artistas contam sobre ser mulher nesse mercado?
É um relato comum, não só para as mulheres, mas em geral, de que seu trabalho é visto apenas como um hobbie. Mas existe muita dedicação, grande investimento de tempo, dinheiro e pesquisa para criar essas obras. Há as que nascem de maneira espontânea e outras têm um trabalho intenso de pesquisa e técnica. Na Supernova Arts, focamos nisso: no destaque profissional das artistas, alta qualidade desde a produção, apresentação e originalidade dos trabalhos.
Você já enfrentou comportamentos machistas por liderar um negócio?
Eu tive algumas situações de cantadas no trabalho que, infelizmente, são comuns. Não foi nada que me incomodasse porque eu lido com jogo de cintura. Já ouvi piadas do tipo: ‘Nossa, você é a obra de arte mais bonita da galeria’. Aí eu falo: ‘Mas essa obra não está à venda’. Lido com humor, porque isso pode nos tirar de uma situação que poderia ser pesada.
Quais são as visões para o futuro?
Quando você pega um livro de história da arte, como o de [historiador da arte] Ernst Gombrich, vê muitas referências masculinas. Aí você se pergunta: ‘onde estavam as mulheres?’ Estão surgindo historiadoras da arte trazendo as informações do que estava acontecendo no passado. A Supernova Arts trabalha na contemporaneidade, com artistas vivas, com tudo em movimento. A gente não foca só em vendas, mas em legado. Não só o nome da galeria, mas o meu nome. Quero criar essa reputação. O coletivo é muito importante. Gosto de uma frase de Simone de Beauvoir que diz que feminismo é uma forma de viver individualmente e lutar coletivamente.
Equipe e artistas da Supernova Arts
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