Literatura. Com ‘O Deus das Avencas’, primeiro livro desde o romance ‘Meia-Noite e Vinte’ (2016), escritor experimenta o gênero das novelas em três histórias independentes que desembocam em um futuro distópico
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Manuela e Lucas estão à espera do parto do filho no início de “O Deus das Avencas”, primeira história do livro homônimo que Daniel Galera acaba de lançar. Antes de a bolsa estourar, o casal usa carros por aplicativo, sofre com o clima polarizado das últimas eleições, se preocupa com a rotina doméstica e falta de grana e percorre um cenário aflitivo que poucos escritores dessa geração sabem pintar como Galera.
“Corta” para “Tóquio”, a novela seguinte. Aqui, um narrador apresenta um futuro catastrófico. Aconteceu o que mais se temia no tempo de Manuela e Lucas, e as cidades estão isoladas após um grande desastre ambiental.
Doenças desconhecidas e tecnologias “traiçoeiras” são os desafios dos seres humanos, mas a necessidade de sobrevivência por si só começa a dividir espaço com o difícil relacionamento do personagem com a sua mãe, uma mulher altiva, de quem está distanciado há muito tempo.
Em “O Deus das Avencas”, o escritor meio paulista, meio gaúcho, que devia uma novidade desde o romance “Meia-Noite e Vinte” (2016) experimenta em formato e linguagem.
A começar pela escolha da novela – gênero de narrativa breve, algo entre o conto e o romance. E também por mergulhar pela primeira vez em ficção científica e apresentar sua versão de mundo pós-apocalíptico. É o que faz em “Bugônia”, que fecha o volume.
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Aqui, o escritor avança ainda mais no tempo. Os humanos deixaram de ser superiores aos outros animais e a saída agora é ter um senso mais apurado de comunidade e também de respeito à natureza. Nada muito diferente do que os ambientalistas repetem no presente.
A narrativa provoca paralelos com a atualidade, e isso pode ser bem indigesto. Mas a leitura flui de um fôlego só, o que facilita encontrar os arcos que ligam as novelas, embora elas possam ser encaradas na ordem que você escolher.