Um mês após a proibição do uso do véu islâmico integral em espaços públicos, uma nova lei na Dinamarca pretende rejeitar a concessão da cidadania dinamarquesa a imigrantes que se recusarem a apertar a mão de autoridades nas cerimônias de naturalização.
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Trata-se de uma proposta que, segundo os críticos da medida apresentada pelo governo de centro-direita, tem como alvo explícito os muçulmanos. Por razões religiosas, alguns muçulmanos preferem, em lugar do tradicional aperto de mãos, colocar a mão sobre o peito em sinal de reverência.
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A ideia divide os dinamarqueses: pesquisas de opinião apontam que 52% dos entrevistados discordam do aperto de mão obrigatório, e vários prefeitos já se posicionaram de forma contrária à proposta. Para seus detratores, o projeto simboliza uma violação constitucional da liberdade de religião no país.
Já para seus defensores, o projeto é mais um passo no sentido de obrigar os imigrantes a abraçar a cultura e os valores dinamarqueses. E é este o argumento recorrente dos aliados da coalizão de governo para as cada vez mais restritivas políticas de imigração do país.
«Apertar as mãos é a forma como cumprimentamos uns aos outros na Dinamarca. É a maneira como demonstramos respeito aos demais neste país. Portanto, é natural que o ato do aperto de mãos faça parte das cerimônias de concessão de cidadania», disse a ministra dinamarquesa de Imigração e Integração, Inger Støjberg, do partido Liberal (Venstre), ao jornal Jyllands-Posten.
‘Fidelidade’
Nas cerimônias de naturalização previstas pela nova lei, os imigrantes também terão que prometer fidelidade aos princípios fundamentais da sociedade dinamarquesa.
«Para algumas pessoas, a cidadania dinamarquesa é tão importante que elas dariam até seu braço direito por ela. Portanto, provavelmente elas também dariam um aperto de mãos. Elas têm que cumprir o pacote completo, e também jurar lealdade aos valores do nosso país», destacou Naser Khader, porta-voz do Partido Conservador Popular (K, na sigla em dinamarquês) para assuntos de imigração, em entrevista ao jornal Ekstra Bladet.
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Caso a lei seja aprovada, a taxa para a obtenção da cidadania dinamarquesa será triplicada: em razão dos custos administrativos envolvidos na realização das novas cerimônias de naturalização, a previsão é de que a taxa subirá de 1,2 mil para 3,6 mil coroas dinamarquesas (cerca de R$ 2,3 mil).
«Considerando-se que a pessoa estará recebendo o privilégio de obter a cidadania dinamarquesa, não acho que seja caro. Penso que a cidadania dinamarquesa seja um presente extraordinariamente grande e valioso», destacou o porta-voz do ultradireitista Partido do Povo Dinamarquês (Dansk Folkeparti, DF), em declarações à agência de notícias dinamarquesa Ritzau.
Guinada à direita
O principal motor da guinada cada vez mais à direita nas políticas de imigração e integração na Dinamarca tem sido exatamente a escalada do partido anti-imigração na cena política dinamarquesa, a exemplo da tendência observada em diversos outros países europeus.
Nas eleições de 2015, em meio ao ponto mais alto da crise dos refugiados na Europa, o Partido do Povo Dinamarquês tornou-se a segunda maior força política do Parlamento.
No caso dinamarquês, a ascensão da extrema-direita parece ter produzido também uma certa naturalização da retórica anti-islã no espectro político – não apenas entre os partidos conservadores, mas também por parte da progressista social-democracia.
A líder social-democrata, Mette Frederiksen, classificou recentemente o islamismo como uma «barreira para a integração», afirmando que alguns muçulmanos «não respeitam o sistema judicial dinamarquês». Ela defendeu ainda o fechamento de todas as escolas muçulmanas no país.
Situada entre dois dos países que mais receberam refugiados na Europa – Suécia e Alemanha -, a tradicionalmente homogênea sociedade dinamarquesa adotou uma atitude oposta à dos vizinhos.
Já em 2015, o governo dinamarquês reduziu os benefícios sociais concedidos a imigrantes e publicou a medida em jornais de língua árabe com uma espécie de mensagem: ‘não venha para a Dinamarca’.
O Parlamento dinamarquês também aprovou lei autorizando a polícia a revistar a bagagem dos imigrantes e apreender dinheiro e pertences de valor superior a 10 mil coroas dinamarquesas, a fim de cobrir os custos com alimentação e habitação durante o período de processamento dos pedidos de asilo. A medida levou a comparações com a confiscação de ouro e outros bens materiais de judeus pela Alemanha nazista.
No ano passado, a ministra da Imigração, Inger Støjberg, chegou a postar uma foto no Facebook em que ela aparecia ao lado de um bolo para comemorar a aprovação de 50 leis anti-imigração. O resultado dessas políticas tem sido uma redução considerável no número de refugiados, que já era bastante inferior, por exemplo, ao da vizinha Suécia (que apenas em 2015 recebeu 163 mil imigrantes).
Em 2017, a Dinamarca recebeu apenas 3,458 pedidos de asilo – uma queda de 84% em relação a 2015.
Não à burca
Com o fluxo de refugiados sob controle, as medidas mais recentes do governo dinamarquês apontam para uma política de assimilação cultural.
No mês passado, entrou em vigor no país a proibição do uso do véu islâmico integral em locais públicos – sob o argumento de que cobrir o rosto em público «é incompatível com os valores da sociedade dinamarquesa e o respeito pela comunidade».
Os dois tipos de véu islâmico proibidos são a burca – uma peça de vestuário que cobre todo o corpo, dos pés à cabeça – e o niqab, que é usado sobre o rosto e deixa apenas os olhos à mostra.
A lei também proíbe o uso de barbas falsas, máscaras e outro tipo de acessórios que cubram o rosto em lugares públicos. O texto determina que «qualquer pessoa que use um traje que cubra o rosto em lugares públicos pode ser multada». Mas para grande parte das pessoas, a legislação está direcionada ao veto dos véus islâmicos.
Pela legislação, a polícia pode ordenar que mulheres muçulmanas retirem seus véus, ou saiam de áreas públicas. As multas para quem descumprir a ordem variam entre mil coroas dinamarquesas (cerca de 650 reais) e dez mil coroas dinamarquesas (6,5 mil reais), no caso de reincidências.
Protestos
Centenas de pessoas saíram às ruas da capital dinamarquesa para protestar contra a proibição do véu islâmico – mas houve também manifestações a favor da lei.
Defensores da iniciativa argumentam que a medida permite uma maior integração de imigrantes muçulmanos à sociedade dinamarquesa. Por outro lado, ativistas e organizações de direitos humanos classificam o veto como uma violação dos direitos das mulheres de expressarem sua identidade e suas crenças religiosas.
«Embora algumas restrições ao uso de véus que cubram totalmente o rosto possam ser legítimas por motivos de segurança, a proibição generalizada não é necessária, é desproporcional e viola o direito à liberdade de expressão e religião», disse a Anistia Internacional em comunicado.
O governo dinamarquês nega acusações de perseguição religiosa, e indica que a legislação não proíbe o uso de véus como o hijab (que cobre o cabelo, mas deixa o rosto descoberto), assim como turbantes ou o quipá judaico.
A proibição total ou parcial do véu islâmico já vigora também na França, Áustria, Bélgica, Holanda, Bulgária e na região da Bavária, na Alemanha. Em 2011, a França foi o primeiro país europeu a proibir o uso do véu integral em público. Os franceses proibiram também o uso do burkini, a roupa de banho usada por muçulmanas e que cobre a totalidade do corpo.
Já o novo projeto de lei sobre a obrigatoriedade do aperto de mão, ainda a ser votado no Parlamento dinamarquês, foi resultado de um debate gerado por um caso ocorrido na Suíça, que rejeitou a concessão de cidadania a um casal muçulmano que se recusara a dar um aperto de mão durante a entrevista para obter o documento.
Casos semelhantes, envolvendo a questão religiosa em torno do aperto de mão, têm ocorrido em países como a França e a Noruega.
Na Suécia, um tribunal ordenou que um empregador pagasse indenização de 30 mil coroas suecas (cerca de 14 mil reais) a uma muçulmana por ter suspenso uma entrevista de emprego após a mulher ter se recusado a apertar a mão do entrevistador.
‘Nenhum gueto até 2030’
O governo dinamarquês também impulsiona rígidas leis para a assimilação dos valores do país pelos filhos de imigrantes: a partir de um ano de idade, eles terão de frequentar centros especiais durante 25 horas por semana, a fim de aprender a língua e a cultura dinamarquesa – incluindo feriados religiosos como a Páscoa e o Natal.
Pais que se negarem a cumprir esta determinação poderão ter seus benefícios sociais suspensos.
A lei é parte de uma iniciativa mais ampla, chamada «Uma Dinamarca sem sociedades paralelas: nenhum gueto até 2030», uma referência às áreas habitadas primordialmente por imigrantes pobres, com altos índices de desemprego e criminalidade. Entre os planos está também o de dobrar as penas para crimes cometidos por imigrantes.
Mas analistas sugerem que a discriminação étnica pode exacerbar a distância entre a maioria da população e a minoria de imigrantes.
«As novas políticas podem acabar fazendo com que os habitantes dos ‘guetos’ sintam-se cada vez mais como cidadãos de segunda classe e, portanto, com baixa propensão a desejarem se integrar a uma sociedade que explicitamente os rejeita», diz o pesquisador dinamarquês Morten Stinus Kristensen, da universidade americana de Illinois.
Kristensen reconhece que a imigração e integração dos imigrantes tem sido um desafio para a Dinamarca. Ele destaca, porém, que o intenso foco na imigração como sendo o maior problema enfrentado pelo país não se ampara na realidade.
«Entre outros especialistas, o professor de Ciências Políticas Jørgen Goul Andersen assinala que o nível de emprego entre imigrantes tem crescido nas duas últimas décadas. Portanto, o processo de integração de imigrantes tem obtido mais êxito do que alguém é capaz de supor se ouvir apenas os discursos de políticos dinamarqueses e as reportagens em que o consenso parece ser o de que os esforços de integração falharam fragorosamente», observa o pesquisador.