No último mês o Parque Ibirapuera foi palco da São Paulo Fashion Week N52. Com desfiles que ocorreram dos dias 16 a 20 de novembro, no Pavilhão das Culturas Brasileiras, marcas puderam mostrar de forma presencial - e também pela internet, as suas roupas, origens e histórias.
ANÚNCIO
Foi o caso da Mile Lab, “marca de moda marginal que está ativamente conectada com o território em que atua”, localizada no Grajaú, zona sul de São Paulo. Fundada por Milena do Nascimento Lima, a marca atua no território desde 2017 e “invadiu” a SPFW N52 no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, com o desfile Fluxo Milenar, que celebra o funk e a cultura periférica.
LEIA TAMBÉM:
Projeto Sankofa leva 7 marcas brasileiras à São Paulo Fashion Week
Assim como a Mile Lab, outras marcas surgem em meio às periferias, com o propósito de vestir quem mora nas chamadas “bordas”. É o caso da Afroperifa, que surgiu em 2017 a partir do coletivo Afronte Empodere-se, em Perus, Zona Noroeste de São Paulo, que discutia moda, estética empoderamento como forma de resistência do povo preto e periférico. A partir dessa vivência, o designer de interiores, Willian André, começou a fazer experimentos com técnica de sublimação e criou protótipos para a marca. “Afro traz o respeito aos nossos ancestrais para os dias atuais, que também vem do afrofutirismo, e perifa seria a população preta em diáspora dentro das periferias, se reinventando com arte, moda e empreendedorismo, usando o aporte cultural contra o racismo”, comenta Willian, de 25 anos.
Para o idealizador, a periferia possui algo muito rico, diferentemente dos estereótipos colocados pela mídia. “Quando eu coloco [no slogan] Design e Moda Afro Urbana da Periferia, eu quero trazer um contraponto de tudo que é criado através da periferia”. A marca coloca o design dentro da questão urbana através do streetwear, referência do hip hop afro-norte-americano e mistura com referências brasileiras, como o rap, samba e funk.
Outra marca que surgiu a partir de um projeto foi a Corre, idealizada também em 2017 por um grupo de amigos. A ideia inicial era arrecadar verba financeira para o Café de Quebra, programa em formato de podcast de entrevistas com pessoas periféricas. O nome Corre veio à tona após uma reunião onde os criadores comentaram suas referências e vivências daquele momento. O filme Corra, do diretor Jordan Peele e a música Corre das Notas, do rapper Djonga, além da palavra ser uma gíria comum nas periferias, se tornaram as maiores inspirações.
“Nosso foco é ter uma identidade street, com um nicho na juventude periférica, pois as duas coisas se conversam. A gente já fez duas camisetas como forma de protesto, que é a camiseta Contra, com mensagens contra o fascismo, homofobia e racismo e a camiseta com um personagem da Ku Klux Klan (grupo supremacista branco surgido nos Estados Unidos) sendo enforcado. Nós temos nossas ideias e opiniões, mas como negócio, a gente não quer se limitar a um público só, queremos chegar em todos os lugares”, comenta Otávio Luis, um dos idealizadores da marca do Jardim São Luís, Zona Sul da cidade de São Paulo.
ANÚNCIO
Os dois idealizadores falam que a maior dificuldade de se manter uma marca independente é a financeira. “Temos muitas ideias, a gente quer sonhar junto. Porém, o aporte financeiro é o que mais pega, o dinheiro para investir”, diz Williian, que iniciou a marca do zero, sem planejamento financeiro, e hoje tem a ajuda de um contador para a administração financeira da marca. “Mesmo com a pandemia, a marca continuou crescendo, pois estamos fazendo um trabalho de conscientização para que as pessoas consumam da Afroperifa”. A forma de divulgação da marca é o Instagram e o WhatsApp, além de possuir loja física.
Para dar inicio à Corre, o grupo tirou dinheiro do próprio bolso para crar as primeiras levas de estampas, vender, e criar outras, e assim fazer a marca crescer. “Isso é começar antes do zero, e ainda existem todas as lutas diárias. Eu moro na favela, tenho os meus problemas pessoais, trabalho bastante durante a semana para colocar comida em casa, eu e os outros membros do grupo. Até por isso não temos como fazer as entregas todos os dias. Não se dedicar 100% atrapalha”, diz Otávio, que utiliza as redes sociais e eventos presenciais nas periferias para divulgar a marca. Mesmo com as dificuldades para manter o funcionamento, ele diz que, saber as pessoas de onde ele mora e alguns artistas do ramo da música reconhecem a marca, já é um avanço. “Isso motiva a driblar as dificuldades, temos esperança que uma hora vamos dar um salto para um dia viver disso”.
“A Afroperifa é muito mais que uma marca, ela pensa no território e nas pessoas que ocupam ele. Através da moda, a gente mostra potência. Hoje nós estamos oferecendo e amanhã outro irmão pode se inspirar e beber dessa fonte”, comenta Willian. “Só de estarmos vivos, ser jovens de periferias e poder construir uma marca com identidade para mim já é motivo de orgulho e resistência”, finaliza Otávio.
LEIA MAIS:
Ideias de looks masculinos para o Natal