O ex-presidente uruguaio Tabaré Vázquez foi eleito para suceder José Mujica em um terceiro governo consecutivo da esquerda no país. Com as urnas completamente apuradas nesta segunda-feira, Vázquez obteve mais de 1,2 milhão de votos ou 56,6% do total válido, confirmando projeções de boca de urna. O candidato opositor, Luis Lacalle Pou, recebeu menos de 940 mil.
ANÚNCIO
O resultado faz do sucessor de Mujica o candidato à presidência mais votado no Uruguai nos últimos 70 anos. Vázquez é médico oncologista e tem 74 anos. Entre 2005 e 2010, ele foi o primeiro presidente de esquerda do Uruguai.
Quase 2,6 milhões de uruguaios estavam registrados para votar no domingo em 7 mil seções eleitorais, em um dia de fortes chuvas no país, que não afastou os eleitores das urnas.
Campanha apática
No primeiro turno, realizado no dia 26 de outubro, a Frente Ampla, de Vázquez, recebeu 47,8% dos votos, o que garantiu a maioria na Câmara dos Deputados. Em segundo lugar ficou o Partido Nacional, de Lacalle Pou, com 30,9% dos votos.
O resultado provocou um grande desânimo na candidatura de Lacalle Pou, deputado de 41 anos que tinha a expectativa de liderar o bloco opositor, mas que conseguiu uma votação bem abaixo do previsto pelas pesquisas do seu partido.
Com os números, a campanha eleitoral do segundo turno foi quase apática. Vázquez não concedeu entrevistas e percorreu o interior do país em “viagens de agradecimento”. Lacalle Pou convocou um “desafio à matemática”.
ANÚNCIO
Apesar do clima de “já ganhou” entre alguns simpatizantes, Vázquez insistiu que não se deveria comemorar antes da hora.
Acordo nacional
Em seu primeiro pronunciamento logo após a divulgação dos resultados provisórios, na noite de domingo, Vázquez pediu um grande acordo nacional para atender áreas-chave como segurança, educação, saúde e infraestrutura.
“O desenvolvimento econômico e social legítimo e duradouro é fruto de trabalhos compartilhados. Isso implica em diálogos e acordos entre todos os setores e em todos os âmbitos da sociedade sobre temas vertebrais da agenda do país”, declarou.
Desafios
O esquerdista, que assumirá o governo 1º de março de 2015, receberá uma economia forte, que fechará em 2014 seu 12º ano consecutivo de crescimento, mas com o desafio de resistir às turbulências que seus vizinhos, gigantes como Brasil e Argentina, enfrentam.
Ele herda de Mujica alguns temas complicados, como a implementação da venda de maconha nas farmácias uruguaias (leia ao lado). Além disso, mesmo tendo deixado o governo com 70% de popularidade, Vázquez terá o desafio de suceder “Pepe” Mujica, que conquistou o mundo com sua simpatia, austeridade, discursos a favor da paz e contra o consumismo.
Novo presidente promete ajustes na lei da maconha
Médico de profissão, o presidente eleito Tabaré Vázquez já manifestou reticências com relação à polêmica lei que regula o plantio, venda e consumo de maconha no país, que deu fama internacional a José Mujica.
Apesar de ter assinalado que vai manter a lei, Vázquez prometeu uma avaliação rígida sobre seu impacto. “Vamos acompanhar muito atentamente os resultados e fazer uma avaliação muito estrita e próxima sobre o impacto que a lei terá sobre a sociedade”, disse ele, dias atrás, ao semanário “Busqueda”.
Fumo e aborto
Quando presidente, Vázquez foi responsável por uma lei que proibiu o fumo em locais públicos. Ele também vetou uma lei, aprovada depois, para legalizar o aborto.
Análise – A ‘ousadia’ dos vizinhos uruguaios*
Os uruguaios estariam dando continuidade ao que especialistas chamaram, dez anos atrás, de “ousadia”: socialistas e comunistas no poder, com a Frente Ampla. Cinco anos depois, um ex-guerrilheiro, com recarga de prisão, elegeu-se presidente. Agora é a legalização da maconha, como pano de fundo de mais um mandato de cinco anos conseguido nas urnas pela Frente Ampla. Há uma história de “avanços” por trás disso.
O castigo corporal nas escolas foi abolido no Uruguai 120 anos antes da Grã-Bretanha. A jornada de oito horas de trabalho foi imposta por lei no Uruguai um ano antes dos EUA e quatro anos antes da França. A lei do divórcio foi aprovada no Uruguai 70 anos antes da Espanha e 14 anos antes da França.
Perto do Brasil e da Argentina, países vizinhos, o Uruguai parece um anão. Tem, no entanto, mais terra do que a Holanda e cinco vezes menos habitantes. Dispõe de mais terra cultivável do que o Japão, com uma população menor. Claro, sem falar em futebol.
A Frente Ampla foi de novo às urnas, reelegeu-se, mas com grave novidade: conflitos internos, como se as ousadias estivessem ultrapassando limites toleráveis. Vide a legalização da maconha.
*Newton Carlos – Jornalista