Cercado de expectativas, esperança e muitas promessas, o metrô de Belo Horizonte consegue como poucos mexer com a imaginação da cidade. Seja pelos trajetos que não saíram do papel ou mesmo pela estrutura carente de uma modernização, é fato que o sistema proporciona uma infinidade de possibilidades no universo de uma metrópole que urge pelo crescimento aliado a uma infraestrutura de qualidade.
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Nesta segunda-feira, 1º de agosto de 2016, completa-se 30 anos desde que o metrô realizou sua primeira viagem rumo ao destino que até hoje ainda é incerto. Como parte das comemorações, o Metro BH reuniu histórias que explicam o que aconteceu para que o metrô de Belo Horizonte caísse no esquecimento das autoridades e, mesmo assim, se consolidasse como a espinha dorsal do sistema viário na importante capital.
Começo promissor
Aos 92 anos, o engenheiro Hilton Homem de Castro lembra com saudade dos tempos em que esteve no comando da diretoria de operações da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), em Belo Horizonte. Junto com autoridades em uma cerimônia cheia de pompa, ele marcou presença na histórica viagem do dia 1º de agosto de 1986 que partiu da Estação Eldorado, em Contagem, até a Lagoinha, no Centro de BH. “Houve um comparecimento de autoridades, e naquele dia os trens circularam bem cheios”, relembra. “Naquela época, a sinalização ainda era precária, e a linha 1 nem estava pronta, mas já dava para perceber que as pessoas estavam contentes pela chegada do trem”, diz o engenheiro.
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Com experiência na execução de obras como o Palácio do Jaburu e o Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Kubitschek, ambos em Brasília, Hilton chegou a Belo Horizonte em 1981 e participou desde o início da construção da linha 1, que aproveitou a antiga linha férrea já existente. No início, o projeto previa uma ligação entre Betim e o bairro São Gabriel, com um ramal para o Barreiro, totalizando 60 km de extensão programados para serem entregues em 1986. Os recursos vieram de um programa financiado pelo governo francês, que ajudou na aquisição de equipamentos para os sistemas de sinalização e telecomunicação, assim como os vagões que até hoje circulam na cidade. O começo, segundo Hilton, foi promissor, mas por falta de pagamento do governo brasileiro aos europeus, a entrega do metrô à população aconteceu só com o trecho Eldorado/Lagoinha, com 10,8 km de linha e apenas três trens.
“Se pensou primeiro em fazer Betim até a região Norte, mas depois os recursos não eram suficientes. Os trens chegaram em 83, a linha já estava assentada, mas entre a Lagoinha e a Estação Central, precisávamos construir alguns viadutos que nem estavam no projeto inicial. Caso contrário, o centro da cidade ficaria sem acesso à avenida Cristiano Machado”, explica Hilton. A partir daí, os investimentos passaram a chegar a conta-gotas, e a conclusão da obra foi se comprometendo cada vez mais.
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Primeiras promessas
As promessas para a expansão do metrô da capital começaram ainda na década de 1990, depois que a construção da única linha existente foi entregue com um atraso de quase 20 anos. Assessora de projetos de 1983 até 2006, a engenheira Madalena Garcia conta que o esforço para que a linha 1 chegasse até a região Norte acabou comprometendo a linha 2, que ligaria a região do Barreiro até a avenida Amazonas. “Foi com muito custo que nós conseguimos fazer a linha até a Vilarinho, e eu fico satisfeita da gente ter conseguido ao menos isso. Todos os estudos mostravam que a ligação com Vetor Norte era de suma importância para desatar alguns nós na cidade e ajudasse a região a se desenvolver”, diz. “Em contrapartida, existia um movimento para que o metrô chegasse até o Barreiro utilizando a faixa de domínio existente naquele trecho. Porém, não havia recurso destinado especificamente para isso, e eu fui absolutamente contra essas obras. Como o dinheiro nunca veio, o resultado foi uma série de intervenções que ficaram no meio do caminho, e um monte de dinheiro jogado fora”, explica Madalena. Um exemplo dessas obras é a famosa Estação Nova Suíça, que apesar de estar incluída no mapa da linha 1 entre as estações Calafate e Gameleira, nunca existiu.
Nesse momento da história, a interferência política fez com a expansão do metrô desse lugar à obras mirabolantes, e que nunca chegaram a ser concluídas. O maior exemplo disso é o fracasso na implantação dos trólebus em BH. Sonho de consumo do então governador Newton Cardoso (PMDB), os pontos para implantação do sistema chegaram a ser instalados na avenida Cristiano Machado, e os ônibus movidos a energia elétrica comprados – tudo com recursos destinados à mobilidade urbana e infraestrutura –, mas parou por aí. Com o dinheiro gasto, segundo fontes que participaram das discussões na época, seria possível não só ter ampliado o metrô, como até ter construído o famoso trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Entrevista com Miguel da silva marques, superintendente da CBTU de Belo Horizonte
Qual o principal entrave para as obras de expansão do metrô?
Nós temos dois entraves. O principal, ao meu ver, é o entrave financeiro. Pela crise que o país passa, a gente está tendo dificuldades com o nosso custeio, então imagina para expansão. Nós não temos previsão de verba para este fim de ano. O segundo entrave é essa questão da estadualização ou não do metrô. De um lado o Estado quer assumir, mas a gente tem questões trabalhistas e dívidas que ainda precisam ser resolvidas. Então tudo tem que ser bem formatado para nenhuma parte ser prejudicada.
A política interferiu diretamente nesses projetos?
O governo de Minas ficou muito tempo com uma ala e o governo federal com outra, e aí nós tivemos alguns entraves políticos. Agora nós estamos tendo um bom relacionamento com ambas as partes, e acreditamos que as coisas vão avançar.
A integração do metrô com os ônibus de BH é o grande trunfo desse sistema?
Com certeza. O nosso modelo é copiado inclusive em Recife, que mesmo transportando mais passageiros, não consegue arrecadar tanto como o metrô de BH. Sem dúvida, grande parte da nossa receita é graças a essa integração com as linhas de ônibus.
Nos 30 anos do metrô, qual é o desafio?
Nesses 30 anos, é possível que esse seja um dos piores momentos pelo qual já passamos, o que nos leva a um problema sério com custeio. A gente sabe da dificuldade que é de continuar rodando, mas sabemos que isso passa. Nós teremos notícias boas no ano que vem, não em questão de obras, mas dentro do nosso orçamento, nós temos alguns planos de ação para aumentar a capacidade do metrô e o início da modernização da linha 1 para colocar em prática, mesmo que não seja na totalidade. Mas o principal é não deixar o trem parar em BH.
Os projetos pelo caminho
Ainda segundo a engenheira Madalena Garcia, é frustrante pensar que os projetos elaborados pela equipe da CBTU após a conclusão da linha 1 acabaram ficando pelo caminho. Naquele momento, a prioridade seria a construção da linha 3 (Pampulha/Savassi), que finalmente ligaria o metrô ao coração da cidade. “De lá pra cá, era para a gente ter feito Pampulha/Savassi, que é uma via super importante. Era uma forma de fazer a ligação do metrô com o hipercentro, além de ter uma outra ligação com o Vetor Norte, que é muito carregado”, conta a engenheira.
Ao contrário das linha 1 e 2, que utilizam a superfície, a linha 3 seria totalmente subterrânea, evitando desapropriações em uma das regiões mais populosas e caras de BH.
Entretanto, parte dos planos de ampliação foi por água abaixo depois que a prefeitura da capital priorizou a implantação do Move para a Pampulha, e de certa forma, enterrou os planos do metrô naquela região. “Eu acho que teríamos um sistema que pudesse racionalizar o transporte para a região Norte, coisa que o Move tenta resolver, mas acaba impedido por suas limitações técnicas, e que a linha 1 para a Vilarinho também não atende. Com a implantação do BRT na avenida Antônio Carlos, é possível que a ampliação do metrô naquela região tenha morrido. Hoje, dificilmente alguém teria coragem de implantar um metrô naquele trecho, uma vez que os dois sistemas estariam competindo um com o outro”, revela Madalena.
Excluindo a região da Pampulha, parte do projeto ainda está de pé. Para isso, a linha seria reduzida para um trecho de 4,5 km com quatro estações entre a Estação da Lagoinha e a Savassi, todas embaixo da terra a custo estimado de R$ 2 bilhões. Esquecido pelo governo federal, o projeto, assim como o da linha 2, está pronto e aguarda apenas uma simples canetada para finalmente sair do papel.
Estadualização
Tema recorrente de debate entre os funcionários do metrô, muitos afirmam que o projeto de expansão e modernização só poderia ser obtido através de uma estadualização, ou seja, passar o controle do metrô de Belo Horizonte das mãos do governo federal para o governo estadual, a exemplo do que ocorre em São Paulo e Rio de Janeiro.
Em Minas, o controle seria exercido pela Metrominas (empresa criada pelo governo do Estado com participação da prefeitura de Belo Horizonte e Contagem), que, por sua vez, irá fazer a concessão do metrô da capital à iniciativa privada através de uma parceria público-privada (PPP). A intenção, no entanto, é vista com pessimismo pelo Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais, que teme demissões e perda de direitos por parte dos servidores.
Além disso, o próprio governo de Minas entende que, ao assumir o metrô, arcaria com uma despesa muito grande para os já esvaziados cofres estaduais. A solução para isso acarretaria no aumento da passagem, que hoje é R$ 1,80. Atualmente, a operação do metrô é subsidiada pela União, uma vez que o custo operacional é muito maior que o arrecadado pela bilheteria do sistema.
Na avaliação do superintendente da CBTU em Belo Horizonte, Miguel da Silva Marques, a questão é delicada, e possivelmente não seja resolvida nos próximos anos. Com essa sequência de impasses e contratempos, a população sofre e se espreme em um sistema lotado e que não dá sinais de evolução.