A definição de uma data para o julgamento que pode levar à inelegibilidade e até prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o próximo dia 24 de janeiro – joga alguma luz diante da até então reinante incerteza sobre a presença do petista na corrida eleitoral de 2018.
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Mas segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, a decisão do Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF-4), responsável por julgar a apelação na qual o petista contesta a condenação a nove anos e meio de prisão determinada pelo juiz Sergio Moro, estará longe de colocar um ponto final na questão.
Isso porque uma deliberação favorável ou desfavorável a Lula pode – e deve – ser alvo de novos recursos jurídicos, chegando a instâncias superiores como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STJ).
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Tais contestações poderiam vir tanto da defesa do ex-presidente quanto do Ministério Público Federal (MPF) – autor da denúncia que levou Moro a concluir que ele recebeu um apartamento tríplex no Guarujá (SP) em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS e condená-lo por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele nega a prática de crimes.
Em um cenário ainda mais turbulento, Lula poderia disputar a eleição, e eventualmente vencê-la, se sustentando em liminares e carregando incertezas jurídicas. A questão sobre ele poder ou não ser empossado como presidente da República é alvo de debates e representaria um caso nunca antes visto no direito eleitoral.
O julgamento no TRF-4 está nas mãos da 8ª Turma do tribunal, composta por três desembargadores. Caso a condenação em primeira instância seja confirmada por eles, na teoria Lula poderá ser preso – em 2016, o STF determinou que um réu condenado em segunda instância por um colegiado pode ir à prisão ainda que haja recursos pendentes. Os ministros do Supremo, no entanto, vêm indicando que podem revisar sua própria decisão.
No caso das perspectivas eleitorais, a regra é mais clara: a Lei da Ficha Limpa define que uma pessoa condenada em segunda instância por certos crimes considerados graves – incluindo aqueles dos quais Lula é acusado – fica inelegível.
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Diante destes meandros jurídicos e eleitorais, entenda como ficam as perspectivas jurídicas em três cenários de decisões diferentes do TRF-4.
Cenário 1: Lula é condenado à prisão
Caso o colegiado confirme a condenação determinada por Moro, a defesa de Lula poderá se valer de instrumentos de contestação ainda no âmbito do próprio TRF-4.
«A defesa pode entrar com embargos de declaração, um instrumento que serve para aclarar uma decisão, esclarecer um dúvida. É muito difícil um advogado abrir mão deste dispositivo: ele pode fundamentar recursos em instâncias superiores e prolongar a consequência de uma decisão», explica Karina Kufa, professora e coordenadora do curso de especialização em direito eleitoral do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP).
Se não obtiver sucesso nessa etapa, a defesa pode recorrer a instâncias superiores: o STJ ou o STF, a depender da argumentação jurídica a ser mobilizada (em casos referentes à Constituição, o destino do caso é o STF).
Mas, antes de ser avaliado por ministros das cortes superiores, o presidente do tribunal de origem deve avaliar a admissibilidade e até uma suspensão temporária dos efeitos da condenação. Caso ele bloqueie o recurso da defesa, esta pode recorrer a um agravo de instrumento – remetendo o caso diretamente aos tribunais superiores.
A partir de agosto de 2018, quando as candidaturas são registradas e começa a propaganda eleitoral, entra em jogo mais um ator: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em geral, sob o guarda-chuva dele, a condenação em segunda instância leva à abertura de um processo judicial, com direito a defesa, e à impugnação automática da candidatura. Nesse caso, o impugnado pode indicar um substituto.
Mas a inegibilidade de um candidato condenado pode ser suspensa temporariamente por meio de uma liminar (decisão provisória) e definitivamente com um julgamento favorável ao réu no STJ ou STF.
«Disputar por meio de uma liminar é ruim. O eleitor tem direito de saber da real viabilidade dos seus candidatos. No entanto, corremos esse risco, pois um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da Lei da Ficha Limpa permitiu que um candidato nesta condição dispute», afirma Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio.
O que acontece caso um candidato nesta situação seja eleito? A resposta está longe de ser unânime. Algumas interpretações da Constituição indicam que o candidato poderia assumir o mandato e outras, não. «Daí em diante, tudo pode acontecer. São caminhos nunca antes navegados», indica Battini.
Kufa afirma que tal cenário é preocupante. «É um caso inédito em que não sabemos como a Justiça Eleitoral vai se portar. Preocupa porque a gente não está falando da eleição de um prefeito, mas do presidente da República. É um caso não previsto, bem atípico.»
Cenário 2: Lula é condenado, mas com penas diferentes das determinadas por Moro
Um colegiado, em segunda instância, pode alterar uma decisão monocrática de um juiz de primeira instância como Sergio Moro.
Mas, segundo João Fernando Lopes de Carvalho, advogado e sócio do escritório Alberto Rollo Advogados Associados, especializado em direito eleitoral, qualquer condenação determinada por um colegiado já torna um candidato «ficha-suja».
«A rigor, o fato de existir uma condenação criminal contra a administração pública é suficiente para levar à inegibilidade. Não necessariamente precisa haver prisão: só o pagamento de multa já tem esse efeito», diz.
Assim, qualquer condenação que impeça a candidatura de Lula pode ser alvo de embargos no TRF-4 e de recursos em tribunais superiores.
«Parece lógico supor que Lula vai usar todos os recursos à sua disposição», diz Lopes Carvalho.
Cenário 3: Lula é absolvido no TRF-4
As mesmas cartas na manga que Lula pode usar diante de uma condenação também estão no «baralho» do Ministério Público Federal – que fez a acusação no processo em que o ex-presidente é réu.
Assim, caso o TRF-4 absolva Lula, os procuradores podem contestar a decisão tanto no próprio tribunal quanto no STJ e STF – que, em tese, poderiam revertê-la.
O MPF tem se manifestado na tramitação do processo contra o ex-presidente no TRF-4. Em outubro, a Procuradoria Regional da República (por meio da qual o órgão atua na segunda instância) enviou um parecer ao tribunal requerendo um aumento da pena de Lula no caso do tríplex.
Assim, a condenação de Lula à prisão poderia chegar a 21 anos e meio.