O presidente Michel Temer voltou nesta quinta-feira ao Hospital Sírio-Libanês para passar por exames e consultas que avaliarão seu estado de saúde após duas cirurgias urológicas realizadas em 2017. Segundo seus médicos, os problemas de saúde pelo qual o presidente passou no ano passado são esperados em sua idade – ele tem 77 anos.
A hiperplasia prostática benigna (HPB) condição com a qual Temer foi diagnosticado em outubro, tem incidência de 90% entre homens com 85 anos, segundo a Associação Americana de Urologia – ainda que nem todos sofram com os sintomas tampouco com eventuais complicações do tratamento, que ocorreram no caso do titular do Planalto.
Mas, nas alas dos hospitais públicos brasileiros, tão comum quanto o diagnóstico da hiperplasia pode ser a dificuldade em obter o tratamento ideal em um prazo razoável. Que o diga o sergipano Raimundo Oliveira, de 69 anos, que conta ter esperado dez anos para se submeter à cirurgia que poderia resolver seu problema.
Em dezembro, ele finalmente deu fim à sua cruzada pela operação – que incluiu a passagem por quatro unidades de saúde e foi concluída no Centro de Referência para Saúde do Homem, abrigado no Hospital de Transplantes Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, na capital paulista.
«Não desejo para ninguém este sofrimento. Somente em um hospital, fiquei cinco anos na fila de espera. E a cada dia que passa, piora», diz o sergipano, aposentado do setor metalúrgico e morador da capital paulista.
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A situação vivida por Oliveira se repete entre milhares de brasileiros, segundo dados extraídos pela BBC Brasil de um levantamento divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em dezembro. O conselho solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação, o volume da fila de espera para cirurgias eletivas (aquelas agendadas e não urgentes) nas redes estaduais e municipais das capitais em junho de 2017.
Os dados repassados por 16 Estados e 10 capitais indicam que, no Brasil, estão à espera pelo menos 8,2 mil pedidos (7.465 nos Estados e 733 nas capitais) de realização do procedimento de ressecção endoscópica de próstata – tratamento cirúrgico tradicional para a hiperplasia e pela qual Temer passou em outubro.
O levantamento não considera o número de pacientes, mas as solicitações – ou seja, um mesmo paciente pode ter mais de um pedido de cirurgia nas redes municipal e estadual.
Hiperplasia de próstata pode chegar aos rins
Ricardo Vita, chefe do Departamento de HPB da Sociedade Brasileira de Urologia, alerta que a realidade é muito mais grave do que a indicadas pelos números, uma vez que há subnotificação e descentralização nos dados sobre o que acontece nas unidades de saúde do país. E, segundo ele, uma doença que poderia ser controlável. Mas, sem o tratamento adequado, pode levar a problemas de saúde muito mais graves.
A hiperplasia prostática benigna (HPB) leva a um aumento benigno (sem células cancerígenas) da próstata que passa a obstruir a uretra. Assim, o homem pode ter, entre outros sintomas, dificuldade para urinar e infecções.
«A minoria vai para tratamento cirúrgico. Entre as alternativas iniciais, estão modificações comportamentais, como regulação na ingestão de líquidos, e o tratamento com medicamentos. Na outra ponta, em casos mais graves, a bexiga pode enrijecer e o quadro chegar à insuficiência renal», aponta Vita, destacando que a hiperplasia, ainda que tratada, é uma condição permanente.
Foi o que aconteceu com Raimundo Oliveira: o aumento de sua próstata foi tal que passou a afetar a bexiga e o rim, tornando sua cirurgia, indicada inicialmente há uma década, uma emergência. Neste meio tempo, o sergipano precisou usar uma sonda quatro vezes e, sem muitas outras alternativas, conviver com a dor e os transtornos da doença.
«Tem hora que você odeia aquilo [a sonda]. Mas sem ela, talvez você não estivesse mais vivo», lembra o aposentado, referindo-se ao médico que coordenou sua operação como um «filho de Jesus» e o hospital onde ela ocorreu como «nota 1000». «É um desespero. Mas a gente tem que ser criativo em tudo na vida: eu comprava calças muito grandes e andava com a sonda para lá e para cá».
Oliveira relata também dificuldade no acesso às sondas – ele diz ter testemunhado outros pacientes que acabam ficando com elas por muito mais tempo do que o indicado e ter vivido na pele as dificuldades burocráticas para colocar e retirar, na rede pública, o dispositivo.
«A progressão da doença sem tratamento leva a muitas limitações ao paciente, afetando o bem-estar físico, mental, social e profissional», enumera Vita.
O histórico de saúde do presidente
No último dia 30, Michel Temer retirou uma sonda que foi utilizada por pouco mais de duas semanas. Mas ele segue em tratamento, com sessões semanais de dilatação da uretra e ingestão de medicamentos.
Os problemas relacionados à hiperplasia de próstata no presidente se intensificaram em outubro, quando ele passou por sangramentos e retenção urinária – sendo submetido à colocação de uma sonda e à cirurgia de ressecção de próstata, no Sírio-Libanês.
Complicações decorrentes da cirurgia de outubro levaram Temer novamente ao hospital em dezembro, com um quadro de estreitamento da uretra. Uma pequena cirurgia, de uretrotomia interna, foi feita.
«O presidente é uma pessoa extremamente saudável, são intercorrências que ocorrem com qualquer um de nós», assegurou na época o médico Roberto Kalil Filho.
Na rede pública, tais intercorrências esbarram em dificuldades no acesso à cirurgias para a hiperplasia que, de acordo com Ricardo Vita, têm como principais gargalos a falta de equipamentos, insumos e médicos especialistas.
O levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina, porém, mostra que a fila de espera por 904 mil cirurgias eletivas no país está concentrada em apenas cinco tipos de procedimentos: catarata (113.185); correção de hérnia (95.752); retirada da vesícula (90.275); varizes (77.854); e de amígdalas ou adenoide (37.776).
Para o tratamento da hiperplasia de próstata, o Ministério da Saúde escreveu em nota ter registrado, de janeiro a setembro de 2017, 8.984 procedimentos de ressecção endoscópica de próstata. Em 2016, foram 11.929 destas operações pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A pasta destacou, porém, que a gestão de filas de espera é de responsabilidade dos gestores locais, como as secretarias municipais e estaduais de saúde.
Consultada, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo admitiu, por meio de nota, que «a demanda reprimida por cirurgias eletivas (não urgentes) é uma realidade nacional, causada sobretudo pela defasagem na tabela de valores de procedimentos hospitalares do Ministério da Saúde, congelada há anos e que não cobre os reais valores dos atendimentos».
O órgão estadual ainda acusou o governo federal de deixar de repassar a São Paulo «R$ 1 bilhão de reais relativos a atendimentos feitos na rede pública. Por isso a conta não fecha e há espera de pacientes para cirurgias». E disse que, apesar disso, «nos últimos três anos, o Estado de São Paulo realizou mais de 11,2 mil procedimentos de ressecção endoscópica de próstata».