Sétima e última escola a se apresentar na primeira noite de desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, já no amanhecer desta segunda-feira, 4, a Unidos da Tijuca fez uma bela apresentação discorrendo sobre o pão. A agremiação deve brigar pelo título na próxima quarta-feira 6, quando irá ocorrer a apuração.
A exibição marcou o retorno do carnavalesco e diretor de carnaval Laíla à escola do Borel, bairro da zona norte do Rio, após 24 anos na Beija-Flor – durante os quais a escola da Baixada Fluminense conquistou nove títulos. Laíla divide a função de carnavalesco com seu auxiliar Fran Sérgio, que o acompanhou ao sair da Beija-Flor, e três outros componentes que já trabalhavam na Tijuca. Ex-auxiliar de Joãosinho Trinta (1933-2011), o carnavalesco se sentiu desvalorizado pela Beija-Flor e saiu mesmo após conquistar mais um título, em 2018. Acolhido pela Tijuca, na qual já havia trabalhado de 1980 a 1983, neste ano Laíla ajudou a organizar um desfile que superou em qualidade o da Beija-Flor, agora com uma comissão de cinco carnavalescos.
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FOTOS: Primeira noite de desfiles do Grupo Especial do carnaval carioca
A Tijuca explorou bastante o significado religioso do pão, retratando a santa ceia no carro abre-alas e várias outras passagens bíblicas em alas e encenações – uma das mais impactantes representou o calvário de Cristo antes de ser crucificado. Não faltaram menções ao «pão que o diabo amassou» e ao pão de santo Antônio, que segundo a crença católica deve ser guardado para que nunca falte alimento no lar.
Também foi lembrado o significado do pão na história – a política do pão e circo durante o Império Romano, a importância do produto no eclodir da Revolução Francesa (quando Maria Antonieta teria dito que, se não havia pão, o povo devia comer brioches) e em uma revolta de operárias russas.
A escola esbanjou luxo, com alegorias e fantasias muito bem acabadas, e aproveitou a iluminação natural do amanhecer, que tornou mais visíveis os detalhes. O transcorrer do desfile também foi bastante satisfatório, sem correria nem imprevistos. Ao final, componentes e o público se uniram em um coro de «é campeão».
Atraso
Com 45 minutos de atraso em função da chuva, o desfile do grupo especial das escolas de samba do carnaval do Rio começou às 22h deste domingo (3). O atraso foi decidido pelos organizadores do evento porque a chuva forte que atingiu outras regiões da cidade e prejudicou o deslocamento dos foliões até a Marquês de Sapucaí
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou que pretende suprir deficiências e falhas na estrutura dos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, para que, no ano que vem, a festa seja «muito melhor».
«Mesmo com chuva o povo não deixou de vir e isso demonstra o quanto que a gente tem que melhorar e prestigiar essa grande festa do Estado do Rio de Janeiro e o maior espetáculo da Terra. É um grande cartão postal para o nosso País e para o Rio de Janeiro. Estou comprometido com o carnaval», afirmou.
Imperatriz Leopoldinense
A Imperatriz Leopoldinense levou a história do dinheiro para a Marquês de Sapucaí. Jogou cerca 800 mil notas falsas de R$ 100 à plateia, coloriu a avenida de dourado, mas não foi agraciada pela sorte em seu desfile, o penúltimo do primeiro dia do grupo especial. Com pouco mais de dez minutos de apresentação, o carro abre-alas ‘A lenda do rei Midas’ parou ainda na concentração, comprometendo a harmonia.
Enquanto as primeiras alas avançavam, se distanciando da maior parte da escola que sequer tinha colocado os pés na Sapucaí, técnicos tentavam resolver o problema. Foi preciso soltar a primeira parte do carro e empurrá-lo manualmente para a Imperatriz conseguir avançar. E foi assim até o fim: o abre-alas parando de tempos em tempos e sendo movimentado ‘no braço’ pelo pessoal de apoio, enquanto os integrantes das alas corriam para tapar buracos que iam se formando ao longo da pista.
Com o enredo ‘Me dá um dinheiro aí’, a escola de Ramos apostou na crítica à ambição desenfreada. Para contar essa história, retornou aos tempos de escambo entre portugueses e índios; passeou pela escravidão, ao trazer um navio negreiro para a Sapucaí; tratou do consumo desenfreado proporcionado pelo cartão de crédito. Mas pecou nos recursos estéticos e acabamento – as fantasias estavam mal acabadas e pouco criativas.
A exceção foi a comissão de frente que, com um Robin Hood ‘voador’ sobre a plateia, conseguiu animar. Outro destaque foi a musa Ketula Mello. Ela recorreu a uma careca falsa e pela primeira vez desfilou com os seios nus para viver uma guerreira africana.
Beija-Flor de Nilópolis
Atual campeã, a Beija-Flor foi a quinta escola a desfilar na primeira noite de desfiles. A escola de Nilópolis (Baixada Fluminense) comemorou seus 70 anos revisitando seus principais enredos, mas não empolgou. Algumas referências foram óbvias, outras, de difícil compreensão.
Também faltou luxo e melhor acabamento nas fantasias e carros alegóricos. Apesar disso, a escola é sempre candidata a pelo menos retornar no Desfile das Campeãs, que vai reunir no próximo sábado, 9, as seis escolas mais bem colocadas entre as 14 concorrentes.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira, Claudinho e Selminha Sorriso, desfilou representando um casal de beija-flores. Seguiram-se referências aos enredos mais famosos ou importantes da escola, desde «Peri e Ceci», com que a escola ficou em 10º lugar na segunda divisão, em 1963, até «Monstro é aquele que não sabe amar! Os filhos abandonados da pátria que os pariu», vitorioso na elite em 2018.
Não faltaram «Sonhar com Rei dá Leão», que rendeu o primeiro título da escola, em 1976, com o carnavalesco Joãosinho Trinta (1933-2011), e «Ratos e Urubus, Larguem minha Fantasia», que ficou famoso em 1989 por levar ao sambódromo uma alegoria do Cristo Redentor que, proibido pela Justiça de ser exibido, foi coberto com um plástico preto e um cartaz onde se lia «mesmo proibido, olhai por nós». A referência a esse imbróglio tão marcante, no entanto, pode ter passado despercebida à maioria do público, porque em vez de reproduzir a famosa alegoria a Beija-Flor preferiu colocar ratos e mendigos sobre um carro alegórico.
Teve ainda referência a Roberto Carlos, cantor e compositor que virou enredo campeão em 2011, e uma ala inteira em homenagem a Pinah, destaque que ficou famosa em 1978 ao sambar com o príncipe Charles, da Inglaterra, durante uma visita dele ao Brasil. A própria Pinah desfilou como destaque de chão, mas, espremida entre duas alas, teve pouco espaço para ser reverenciada.
Em alguns momentos a escola pareceu correr demais, aparentemente por ter um número exagerado de componentes para os no máximo 75 minutos de exibição.
Embora não tenha empolgado, a escola encerrou o desfile confiante: vários componentes entoaram gritos de «bicampeã».
Acadêmicos do Salgueiro
Quarta escola de samba a desfilar na primeira noite de exibições no sambódromo do Rio de Janeiro, o Salgueiro exaltou Xangô, divindade cultuada pelas religiões de matriz africana trazidas ao Brasil pelos escravos, como o candomblé. Foi o primeiro desfile da escola do Andaraí (zona norte do Rio) sob a atual direção – uma disputa judicial que se estendeu de maio a dezembro determinou a saída de Regina Celi e deu o comando do Salgueiro a André Vaz, candidato de oposição.
A demora na decisão parece não ter prejudicado a escola, que fez um desfile muito luxuoso e empolgante – só comparável, até então, à apresentação da Viradouro de Paulo Barros -, embalado por um samba que, embora difícil de cantar por conter várias expressões africanas, foi muito bem recebido pelo público.
O competente carnavalesco Alex de Souza, que estreou no Salgueiro em 2018 conquistando o terceiro lugar, mais uma vez criou fantasias e alegorias luxuosas e muito bem acabadas.
Ele reclamou, porém, da falta de material no mercado brasileiro, abastecido prioritariamente por fornecedores chineses. Para não correr risco, optou mais pelo espelho, de fácil acesso, do que gostaria. «A crise não é só financeira, é de material também «, disse o carnavalesco após o desfile, demonstrando confiança na vitória apesar dos percalços.
A empolgação fez com que a escola atravessasse a avenida no limite de 1h15, para o azar dos integrantes que aguardavam com apreensão pela passagem dos últimos carros já na área de dispersão.
Mas, para Souza, «o tempo foi justo como Xangô», brincou ele, em referência ao orixá das religiões afrobrasileiras, «justiceiro da nação nagô», como traz o samba do Salgueiro. Nessa linha de defesa de direitos, os integrantes da última ala exibiram bandeiras contra a discriminação às minorias.
Além de contar a origem africana de Xangô, o enredo mostrou seus correspondentes no catolicismo, como são Jerônimo, são João Batista e são Pedro.
O desfile também fez diversas referências à Bahia, berço do sincretismo religioso no Brasil, e ao enredo apresentado pelo Salgueiro há 50 anos – em 1969 a escola conquistou o quarto título de sua história com uma homenagem à Bahia, em enredo desenvolvido por Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues.
Grande Rio
A Grande Rio, de Duque de Caxias, foi a terceira escola a desfilar na primeira noite de exibições no Rio de Janeiro, já na madrugada desta segunda-feira, 4. A agremiação apresentou o enredo «Quem nunca…? que atire a primeira pedra», em que faz uma crítica «às gafes, deslizes, viradas de mesa e ao famoso jeitinho brasileiro», segundo o próprio roteiro do desfile anuncia.
O tema foi escolhido um ano após a virada de mesa realizada por pressão da escola, que ficou em penúltimo no desfile de 2018 e seria rebaixada para a segunda divisão, não fosse a repentina e tardia mudança de regras – o enredo pode ser interpretado como uma admissão velada de culpa ou como uma forma de demonstrar que no Brasil esse tipo de acordo é comum.
O desfile foi melhor do que o do Império Serrano, mas inferior ao da Viradouro, e não chegou a empolgar a plateia. A seu favor pesou, no entanto, a animação dos integrantes, que cantaram e pularam durante todo o desfile, ainda que não fossem acompanhados por quem assistia nas arquibancadas. A inovação ficou por conta do uso de drones com emojis na comissão de frente, numa alusão a Moisés, o profeta dos dez mandamentos, em tempos de redes sociais.
A Grande Rio fez críticas aos hábitos de dirigir automóveis falando ao celular ou após ingerir bebida alcoólica, ao roubo de eletricidade ou de sinal de TV a cabo e à divulgação de fake news pelas redes sociais. Também foram alvo de críticas quem picha, quem joga lixo, cigarro ou chiclete no chão ou de qualquer forma suja as praias e os rios. No último setor foram retratadas as escolas e as ciências, em um convite à reflexão de que sempre devemos nos corrigir.
O experiente carnavalesco Renato Lage, sempre lembrado como autor dos desfiles campeões pela Mocidade Independente em 1990, 1991 e 1996, fez um desfile técnico pela Grande Rio. No ano passado, o rebaixamento cancelado se deveu a um carro alegórico que, devido ao tamanho exagerado, encrencou antes de entrar na passarela. Neste ano não houve erros desse tipo, mas ainda faltaram brilho e um enredo mais empolgante.
Unidos do Viradouro
De volta à elite das escolas de samba do Rio após quatro anos na segunda divisão (da qual foi campeã em 2018), a Unidos do Viradouro foi a segunda escola a se apresentar. A escola apostou no aplaudido carnavalesco Paulo Barros, campeão em 2010, 2012, 2014 e 2017, para discorrer sobre contos infantis sob a ótica de um adulto. O fio condutor foi um adulto revisitando os livros que sua avó lhe apresentava quando criança. Daí surgiram personagens como a Branca de Neve, o Gato de Botas, Cinderela, o Soldadinho de Chumbo e o lobisomem.
A escola esbanjou luxo e empolgou o público, encantado com a teatralização e as alegorias humanas sempre usadas por Paulo Barros.
O quinto carro alegórico, um cemitério em que criaturas das trevas saíam dos túmulos, foi um dos que causaram maior impacto: um Motoqueiro Fantasma, outro personagem dos livros, descia da alegoria e circulava pelo sambódromo pilotando sua moto para afastar as criaturas do mal.
Beneficiada até pela comparação com a escola anterior, o Império Serrano de fantasias simples e mal acabadas, a Viradouro deu espetáculo e é séria candidata a retornar no Desfile das Campeãs, que ocorre no próximo sábado, 9, e reúne as seis escolas mais bem colocadas nos dois dias de exibições.
Império Serrano
Primeira escola a se apresentar neste domingo no sambódromo do Rio de Janeiro, abrindo a primeira noite de desfiles do Grupo Especial, o Império Serrano apresentou o enredo «O que é, o que é?», sobre o sentido e os rumos da vida.
A força do samba – uma famosa composição de Gonzaguinha, lançada em 1982 – empolgou a plateia, mas a escola repetiu alguns erros do ano passado, quando foi a última colocada – e só não foi rebaixada por conta de uma virada de mesa.
Além de fantasias e alegorias pobres e mal acabadas, até o letreiro do tripé que acompanhava a comissão de frente anunciando o nome da escola tinha defeitos: as três últimas letras da palavra Império estavam apagadas. Apesar disso, o samba contagiou o público, como era previsto.
Para expor um tema tão abstrato, o Império começou apresentando o nascimento de Cristo, retratado pela comissão de frente – mas, nessa versão, ele nasceu nos dias atuais e em meio a moradores de rua. O tripé que acompanhava a comissão era um palco ocupado alternadamente pelos integrantes da comissão de frente e pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Diogo Jesus e Verônica Lima. Por meio de um elevador, a plataforma onde eles estavam era elevada a quatro metros de altura para se exibir em frente a cada cabine de jurados.
As primeiras alas retrataram as religiões; em seguida foram exibidas as formas como a vida pode ser classificada: um tesouro, uma aventura, uma viagem, um presente, um doce, um carnaval, um labirinto…
No último setor foram exibidas as principais expectativas que temos: esperamos ter sorte, saúde, paz, aprender e sermos campeões. Não será o caso do Império desta vez, mas valeu a tentativa – inclusive pela justa homenagem à cantora e compositora imperiana Dona Ivone Lara, primeira mulher a compor sambas-enredo no carnaval do Rio, morta no ano passado, aos 96 anos.