Bandeira levantada durante campanha eleitoral, o decreto presidencial assinado por Jair Bolsonaro (PSL) em janeiro deste ano, que flexibiliza a posse de armas em todo o Brasil, não se mostrou suficiente, segundo especialista, para armar a população – como previa o discurso do governo.
De acordo com o pesquisador em segurança pública Fabrício Rebelo, as dificuldades históricas para a circulação de armas no país têm duas matrizes: ausência de autorização pela PF (Polícia Federal) e custo.
“O decreto resolveu apenas uma, não mais possibilitando as negativas injustificadas à compra. Mas o custo para se ter uma arma continua muito alto, inacessível à esmagadora maioria da população”, explica Rebelo.
Investimento alto
Atualmente, o preço de uma arma básica, como um revólver de calibre 38, é, em média, de RS 4 mil. Além desse valor, é necessário colocar na conta a munição e o curso de tiro – cerca de R$ 690 por sete horas de aula.
Dados da PF, fornecidos ao Metro Jornal, revelam que, desde que o decreto entrou em vigor em 15 de janeiro, a procura por armas não aumentou de maneira significativa. Foram apenas 79 registros a mais concedidos a pessoas físicas, se comparado ao mesmo período do ano passado – 5.221 entre janeiro e fevereiro de 2018.
Rebelo – que é a favor da liberação do porte (quando o indivíduo pode transitar armado pelas ruas) – aponta que o alto custo das armas torna a “legítima defesa um direito elitizado”. “O aquecimento do mercado nesse setor somente ocorrerá com a abertura para novas fábricas ou revisão das normas tributárias”, afirma. “Enquanto isso não acontecer, o aumento nas aquisições, em números absolutos, será muito pequeno”, completa.
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Monopólio
Hoje, decretos e portarias do Ministério da Defesa e do Exército Brasileiro restringem importações de pistolas, revólveres, munições e outros itens, e dificultam a instalação de novas empresas no país.
Em um vídeo que circulou após a eleição de Bolsonaro em outubro do ano passado, contudo, o presidente promete a um grupo de apoiadores acabar com o monopólio no setor e zerar impostos sobre armas.
Se isso ocorrer, a abertura a novas empresas traria uma concorrência inédita à Taurus, que hoje detém a maior parcela do mercado nacional.
Pouco flexível
O servidor público, Diego Rocha, 32 anos, sempre foi favorável às armas e esperou o decreto para avaliar a aquisição de um revólver. Para ele, no entanto, o documento se mostrou vago e não flexibilizou o bastante. Pai de uma menina de 5 meses, sua maior preocupação é com o armazenamento.
“A questão de guardar as armas em cofre, por exemplo. Esse ponto não ficou bem explicado. Seria qualquer cofre? Como realmente guardar de uma forma efetiva e segura?”, questiona.
Armas em casa
O receio de Diego faz sentido quando se olha, por exemplo, pesquisas apresentadas na APP (Conferência Anual da Academia Americana de Pediatria), realizada em novembro do ano passado, nos Estados Unidos.
Os estudos mostraram, entre outros pontos, que a maioria das crianças de 7 a 17 anos não diferencia armas reais das de brinquedo. Um segundo dado indica que quanto mais nova a criança, maior a chance de ela ser ferida acidentalmente.
O massacre na escola estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, no dia 13 deste mês, trouxe à luz a discussão de armas dentro de casa.
Desde 2002, ao menos oito escolas brasileiras sofreram atentados em que alunos ou ex-alunos armados abriram fogo contra estudantes e funcionários. As ações deixaram um total de 28 mortos e 41 feridos.
Em quatro desses casos, os jovens atiradores utilizaram armas que estavam armazenadas em suas casas, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz.
Ainda de acordo com o Instituto, o número de óbitos de menores de 19 anos cometidos por armas de fogo, entre 1997 e 2017, aumentou em 120% no país. Em 2017, último ano mostrado pela pesquisa, foram registrados 9.437 casos.
O fator ‘vontade’
A venda no setor de armas e munições pode encontrar entraves, também, na vontade da população. Segundo dados da pesquisa “Perspectivas 2019”, do Instituto de Pesquisa IDEIA Big Data, ao menos 70% dos brasileiros não pretendem comprar uma arma este ano.
Outra sondagem, divulgada em dezembro de 2018 pelo Instituto Datafolha, revelou que 61% dos brasileiros querem que a posse de armamentos seja proibida no país.