O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, afirmou nesta terça-feira (3) que ainda não é possível apontar irregularidades na ação da Polícia Militar (PM) em um baile funk em Paraisópolis, zona sul de São Paulo, que terminou com a morte de nove jovens. Segundo Smanio, a ação policial será investigada em um inquérito aberto nesta segunda-feira (2) pelo Ministério Público do estado e que será comandado pela promotora de Justiça Soraia Bicudo Simões, do I Tribunal do Júri.
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“Vamos avaliar os protocolos, avaliar as condutas, para que se possa propor o melhor caminho para que a violência não tenha escalada. Vamos apurar o que houve, mas, sobretudo, [evitar] que isso se repita e vamos procurar caminhos de não violência para que as pessoas que queiram possam se divertir, para que a comunidade possa ser respeitada, mas também para que as pessoas do entorno também possam ser respeitadas e que as questões da criminalidade possam ser investigadas. A ideia é fazer uma mediação para encontrar a melhor solução”, disse o procurador-geral.
As nove vítimas teriam morrido “pisoteadas” após uma operação policial durante um baile funk. A PM informou que os policiais se dirigiram ao local do baile atrás de dois fugitivos que estavam em uma motocicleta. Moradores da comunidade negam essa versão e dizem que a operação parecia premeditada e que seria uma vingança à morte de um policial ocorrida no mesmo local, um mês antes.
Um vídeo gravado por moradores e divulgado à imprensa mostra policiais encurralando dezenas de pessoas em uma viela e batendo nelas com cassetetes.
Muito questionado por jornalistas sobre a ação policial em Paraisópolis e também sobre os vídeos que circularam mostrando violência policial em abordagens que teriam ocorrido lá no mesmo dia do baile funk, Smanio preferiu não fazer críticas à PM. «Morte significa que não foi bem feita [a ação]», disse, apenas. “Qualquer afirmação antes de uma investigação, antes de conhecermos os fatos e as circunstâncias todas, é uma afirmação precipitada.”
Vídeos mostram agressão policial em Paraisópolis após ação em baile funk
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Em entrevista à imprensa, Samanio disse que recebeu ontem, em audiência, um grupo de deputados, acompanhado por moradores da comunidade e integrantes de movimentos sociais, que pediram celeridade nas investigações. “Acertamos por realizar um fórum para que essa questão do baile funk e da atuação policial possa ser tratada de uma maneira global, com todos os interessados, e para que possamos encontrar soluções para essa questão que já causou vítimas.”
Investigações
Todos os policiais envolvidos na ocorrência foram afastados das ruas ontem pelo comando da Polícia Militar, mas continuam exercento atividades administrativas na corporação.
Além da investigação no Ministério Público, a ação policial em Paraisópolis e as mortes ocorridas lá durante o baile funk são alvo de mais duas apurações: uma na Corregedoria da Polícia e outra no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Uma informação que também deve ser investigada é a de que um bombeiro cancelou uma chamada ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) durante a ação policial, alegando que a polícia já tinha socorrido os feridos. Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo confirmou que encaminhou uma ambulância ao local após o registro de solicitação na central na madrugada de domingo (1º), mas que a solicitação foi cancelada. “A chamada foi classificada como alta prioridade, porém, houve cancelamento do pedido por parte do Comando do Corpo de Bombeiros (Cobom).”
Quatro documentos obtidos pela Agência Brasil – quatro declarações de óbito – revelam que as vítimas morreram por asfixia mecânica. Essa, no entanto, é a descrição que consta na declaração de óbito das quatro vítimas, sem considerar os laudos do Instituto Médico-Legal, que ainda estão sob análise e não foram divulgados.
ONGs
A Human Rights Watch, organização internacional não governamental que atua com direitos humanos, lamentou as nove mortes em Paraisópolis e os 12 feridos na ação ocorrida no dia 1º de dezembro. A ONG exige que o Ministério Público exerça o controle externo sobre o trabalho da polícia.
“Desta forma, [o Ministério Público] deve garantir uma investigação rápida, completa e independente sobre qualquer abuso e uso excessivo da força nesse caso, bem como sobre os ferimentos e as mortes. O Ministério Público do Estado de São Paulo deve também iniciar sua própria investigação independente sobre a motivação, o planejamento e a execução da operação da polícia militar em Paraisópolis”, diz nota da ONG.
A Conectas também prestou solidariedade às vítimas e parentes e cobra uma apuração rígida do caso. Para a Conectas, a ação foi “negligente” e evidencia “o padrão de atuação dos órgãos de segurança pública com a vida de pessoas pobres e negras em áreas periféricas, fazendo, inclusive, uso de armas de fogo e armamentos menos letais num evento com mais de 5 mil pessoas, causando pânico generalizado em uma das maiores comunidades de ‘São Paulo.
A organização não governamental também cobra uma “postura contundente do Ministério Público na apuração de crimes”.
Defensoria
A Defensoria Pública de São Paulo colocou-se à disposição dos parentes dos jovens mortos na ação policial para atendimento individualizado e reservado, em domicílio, e está organizando, para os próximos dias, um plantão na própria comunidade.
Depois disso, a Defensoria Pública vai analisar as medidas cabíveis, incluindo eventuais pedidos de indenização e de atendimento psicológico, sem prejuízo do acompanhamento das investigações e apurações já em curso sobre o grave episódio.
Condepe
O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), órgão ligado à Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo, também fez críticas à ação policial em Paraisópolis. “Os vídeos demonstram não só uma ação desastrosa, mas criminosa dos policiais envolvidos na ocorrência em Paraisópolis. Os vídeos mostram torturas, abusos de autoridade, agressões e que os jovens foram encurralados pelos policiais. Demonstram que os PMs são os principais responsáveis pela tragédia.»
Na noite desta terça-feira, o Condepe promoverá um encontro para discutir o que os conselheiros chamam de Massacre de Paraisópolis. Segundo o Condepe, nesse encontro serão discutidas medidas urgentes para acompanhar a apuração das mortes e assegurar proteção dos direitos de outras vítimas e familiares.
Ontem, o governador de São Paulo, João Doria, disse que não pretende reduzir o número de operações policiais, nem modificar os moldes em que funcionam atualmente. Já o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Marcelo Salles, disse que a ação policial no baile funk foi uma reação à agressão sofrida pelos policiais.