Além dos impactos provocados nas famílias das vítimas e na economia, a pandemia do coronavírus tornou ainda mais explícitos alguns problemas que o País já enfrentava: a má gestão dos recursos públicos e a falta de equipamentos, insumos, medicamentos e leitos de UTI.
De acordo com o Ministério da Saúde, dos mais de 5.570 municípios brasileiros, só 520 possuem leitos de UTI. Todos eles, no entanto, têm Câmaras Municipais e são muitos os exemplos de vereadores com foco maior no próprio bolso do que no combate ao vírus.
Em Japeri, na Baixada Fluminense, região com mais casos de covid-19 no Rio de Janeiro, os números são esses: mais de 100 mil habitantes, 155 casos confirmados de coronavírus, 18 mortes, 0 hospital e 0 leito de UTI, segundo os dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde.
A cidade conta com uma policlínica, mas os pacientes mais graves precisam se deslocar cerca de 25 quilômetros até Nova Iguaçu para serem atendidos. Ainda assim, em meio à pandemia, os parlamentares de lá aumentaram, em 25%, os próprios salários. O ato é investigado pelo Ministério Público.
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Os vereadores de Pontal, em São Paulo, estado com o maior número de casos, também chegaram a aprovar – em primeiro turno – um aumento de salário. Isso aconteceu um mês depois de a presidente da Câmara Municipal, Valéria Andrucioli, morrer por covid-19.
A repercussão negativa fez com que os parlamentares desistissem da ideia. Pernambuco é o sétimo estado com mais casos, quinto com mais mortes e segundo em taxa de letalidade, e lá está Camaragibe: 150 mil habitantes, 13 vereadores que ganham R$ 12 mil por mês para trabalhar seis dias por semana e 0 leito de UTI. O custo da Câmara Municipal da cidade é 17 vezes maior do que o que foi gasto pelo município para combater o vírus.
O fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, diz que «a hipocrisia cresce na mesma proporção que a pandemia» e que a falta de órgãos de controle contribui para que o dinheiro público seja mal gasto no país. Segundo ele, cerca de 25% das cidades com mais de 20 mil habitantes não possui nenhum órgão para auditar os gastos públicos.
O coordenador do projeto UTI’s Brasileiras, da Associação de Medicina Intensivista Brasileira, Ederlon Rezende, diz que a situação do Brasil é peculiar. No setor privado, o número de leitos a cada 10 mil habitantes é quase 5, acima do recomendado pela OMS, proporção melhor do que países como a Alemanha e os Estados Unidos.
No SUS, esse número é de 1,4 a cada 10 mil habitantes, que está dentro do recomendado; o problema, nesse caso, é a má distribuição.