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Duas vezes mais brancos do que negros são vacinados contra a Covid-19 no Brasil

Levantamento foi divulgado no último dia 15. Até aquela data, 3,66% dos brancos haviam sido imunizados contra 1,48% dos negros.

Até o momento, brancos foram mais vacinados contra a Covid-19 no Brasil do que negros, revela levantamento divulgado pela Agência Pública. O comparativo, divulgado neste mês, levou em conta 8,5 milhões de pessoas que receberam a primeira dose dos imunizantes.

Atualmente há cerca de duas pessoas brancas para cada pessoa negra vacinada. Segundo o estudo, no Brasil há 3,2 milhões de indivíduos que se declararam brancos e que receberam a primeira dose da vacina. Já entre pessoas negras, esse número cai para pouco mais de 1,7 milhão.

O levantamento veio à público no último dia 15. Até aquela data, 3,66% da população branca havia sido imunizada contra 1,48% da parcela negra.

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Para Olinda do Carmo Luiz, membro do GT Racismo e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e professora da faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), o principal fator que explica essa disparidade é o racismo estrutural.

«A elaboração e a implantação das políticas sociais, as práticas institucionais e a herança histórica e cultural atuam de forma simultânea e articulada para favorecer um grupo racial – os brancos – em prejuízo constante de outros – os negros e indígenas. Esta dinâmica excludente pode ser observada nos indicadores sociais e de saúde», afirma.

Olinda atenta para o fato de que no Brasil os negros ganham menos, sofrem mais com o desemprego, têm menor escolaridade e com muita frequência vivem em condições habitacionais insalubres e distantes dos centros urbanos.

«Embora inaceitável, é esperado que toda a estrutura para a vacinação reflita a histórica exclusão da população negra», diz.

A professora afirma ainda que adotar como critério exclusivo de vacinação a idade mais avançada constitui um exemplo de como o racismo estrutural reforça e reproduz a desigualdade racial.

«Na medida em que a população negra tem maior prevalência de doenças e morre mais e mais cedo, sua expectativa de vida é menor. Isso significa que nossos idosos são proporcionalmente mais brancos que o restante da população. Parece lógico vacinar as pessoas mais idosas por seu maior risco de morte quando infectadas pela Covid 19. No entanto, boa parcela dos idosos é composta por aqueles com condições que os levaram a maior longevidade: melhor renda, melhor educação e maior acesso aos serviços de saúde. Estes idosos são proporcionalmente mais brancos», explica Olinda.

Mortalidade também é maior entre negros

A disparidade na hora da vacinação alcança um cenário ainda mais grave: a maior parte dos casos e das mortes por Covid-19 ocorrem em negros. Mais de 89 mil pessoas negras morreram no Brasil pela doença desde o início da pandemia, de um total de 260 mil casos confirmados. O número de mortes entre negros é cerca de 10% a mais que entre brancos.

Os dados também apontam que a quantidade de pessoas que morreram em relação a quem tinha a doença foi maior entre negros que entre brancos: 92 óbitos a cada 100 mil habitantes em negros, para 88 em brancos.

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«A população negra está exposta ao desemprego, às ocupações precárias, à baixa renda e à pouca escolaridade. Com isso, as pessoas negras não conseguem ficar em isolamento e precisam se expor mais a situações de risco», afirma a especialista. «Entre tantos males, o racismo estrutural acarreta também a maior prevalência na população negra de hipertensão arterial, diabetes, insuficiência renal, entre tantas outras comorbidades, que agravam a doença», completa.

Desafios impostos pela desigualdade

O levantamento feito pela Agência Pública chama a atenção para uma série de desafios, a começar pela necessidade de mais dados sobre a temática.

De acordo com Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da USP, coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade e membro do Observatório Covid-19 BR, ainda há informações incompletas em todos os Estados sobre raça e cor dos indivíduos vacinados, conforme revela nota conjunta divulgada pela Open Knowledge Brasil em parceria com várias instituições da sociedade civil.

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«O levantamento da Agência Pública reforça nossa chamada para maior transparência e maior esforço na coleta de dados sobre raça e cor dos indivíduos sendo vacinados», aponta Lorena. Segundo ela, em posse de mais materiais do tipo será possível pensar em formas de garantir maior equidade na cobertura vacinal.

Para a professora, outro desafio importante é entender a fundo os planos de imunização nacional e locais.

«Precisamos estar muito preocupados e avaliar se as prioridades nestes planos de dar cobertura prioritária a determinados grupos vulneráveis estão sendo cumpridas. Um exemplo é a cobertura vacinal das comunidades quilombolas», atenta.

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Por fim, Lorena diz considerar importante debates sobre a falta de prioridades para trabalhadores terceirizados de hospitais, do setor de limpeza e segurança, por exemplo.

«Estes grupos não foram considerados na primeira etapa da vacinação em algumas regiões do País e são pessoas extremadamente expostas e por isso deveriam subir na prioridade da fila», afirma a professora.

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