A pandemia «rejuvenesceu». A afirmação é da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que recentemente divulgou boletim que aponta um acometimento maior dos jovens pela Covid-19 em 2021.
Segundo a fundação, entre o começo do ano e meados de março, os casos na faixa etária entre 30 e 39 anos aumentaram expressivos 565,08%.
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É certo dizer que a parcela mais jovem da população tem se colocado em risco. Basta acompanhar, a cada fim de semana, a quantidade de festas clandestinas flagradas pelas autoridades, por exemplo.
O químico Weslley Goes, de 30 anos, é um dos que frequenta esse tipo de reunião. Recentemente ele participou de uma no bairro Heliópolis, Zona Sul de São Paulo. Antes das restrições mais rígidas, costumava ir a bares para encontrar os amigos.
«Medo eu até tenho, mas acredito que a doença escolhe as pessoas», diz Weslley, que mora sozinho. «Conheço gente que esté fazendo a quarentena, pegou a doença e ficou mal. Eu, que estou aqui sem cumprir o isolamento, se peguei Covid não senti», completa.
Apesar disso, o jovem afirma que não menospreza o novo coronavírus. «Só acredito que ele determina as pessoas que vai matar», diz.
Para Weslley, as novas restrições, mais rígidas, são exageradas. «Mesmo com esses fechamentos, os ônibus e as empresas seguem lotados. Não tenho certeza se tudo deveria parar, por conta da questão econômica, mas uma vez que se decreta lockdown para algumas coisas, acredito que deveria ser geral», opina.
Mudança de postura
O conferente Leonardo Nunes tem 25 anos e mora com os pais. Até o ano passado, ele viveu como se não houvesse pandemia: viajou, foi a bares, festas, churrascos e futebol.
«Não botava muita fé na doença por até então ela não ter atingido pessoas mais próximas. Como não via acontecer, ficava meio desacreditado», lembra.
Em junho, Leonardo foi infectado. Ao mesmo tempo, começou a ter notícias de que a Covid-19 estava causando dor a pessoas próximas, o que o fez repensar. «Mudei quando comecei a ver amigos perdendo pai e mãe. Mesmo não acontecendo nada de grave comigo, passei a enxergar mais de perto que o problema é real e que este é sim um vírus que prejudica muitas famílias», diz.
Hoje, Leonardo garante ter deixado as aglomerações de lado, porém ainda frequenta a casa de alguns amigos para conversar e ouvir música. Perguntado se se sente em risco, ele diz já estar acostumado com o sentimento. «Trabalho de segunda a sábado. Estou em risco todos os dias.»
Resposta que vem da psicologia
Para Evelyn Beltrão, psicóloga clínica especializada em terapia cognitivo comportamental, alguns fatores podem levar os jovens a desrespeitar os protocolos básicos de prevenção da pandemia: a irreverência associada à energia que motiva a todos nesta faixa etária e ainda a longa duração da pandemia. «Sabemos que nesta fase, os jovens gostam de se relacionar, estar em grupos de amigos. Eles não querem mais ficar com os pais em casa e, assim, acabam colocando seus familiares em perigo», afirma.
O fato de os mais velhos terem sido classificados como grupo de risco também pode ter contribuído para que os jovens se sentissem, de certa forma, inatingíveis. «Inicialmente foi identificado que a forma mais grave da doença acometeria apenas os idosos. Talvez essa antiga afirmação tenha causado despreocupação entre os mais novos, pois estariam fora do risco de contaminação. Entretanto, com a mutação genética do vírus, os estudos apontaram que uma nova variante atingiria a todos, independente da idade, evidenciando um quadro mais agressivo da doença», explica Evelyn.
Sendo a Covid-19 uma surpresa até mesmo para a ciência, a psicóloga afirma que chega a ser aceitável presumir que muitos ainda não tenham a dimensão real do problema, supondo que seja mais interessante investir no próprio lazer, nutrindo o pensamento equivocado de que a pandemia está distante. «Os jovens podem estar indiferentes a este tipo de situação por conta do desejo apenas de se divertir e por achar que a tragédia ‘só acontece com os outros’.»
Evelyn ressalta, contudo, que é preciso esforços para mudar a percepção desse grupo sobre o vírus e seus danos, a fim de proteger toda a sociedade. «É preciso uma intervenção acirrada, próxima e mais educativa, como campanhas direcionadas ao público jovem», finaliza.