O ator e humorista Paulo Gustavo morreu na noite da última terça-feira (dia 4) por complicações em decorrência da covid-19. Aos 42 anos e no auge de uma carreira meteórica, sua partida foi um duro golpe a uma população que se vê há mais de um ano em meio a uma pandemia fora de controle. Nesse processo de luto, a tristeza se soma muitas vezes à raiva por conta da falta de políticas que poderiam ter salvo a vida de uma figura pública querida e de outros 400 mil brasileiros.
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«Perder quem se ama, seja um amigo ou um familiar, dói. Paulo Gustavo estava nas nossas casas, pela TV, celular e redes sociais. Era um artista que aliviava nossas tensões e que quando aparecia, a gente já começava a sorrir. Com seus filmes, nos confortava como se fosse um parente», afirma a psicoterapeuta especialista em Psicossomática e Brainspotting Camilla Vannuchi.
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Raro no mundo artístico, a simpatia do público por Paulo Gustavo era quase unânime. Contudo, outros fatores explicam a tristeza que comandou os últimos dias. «O impacto de alguém famoso pegar covid-19 mexe com as nossas fantasias. Ele era famoso, tinha dinheiro e, no nosso imaginário, jamais seria acometido pelo vírus. Mas todos nós somos mortais, e a fantasia que criamos cai por terra quando alguém que vemos todos os dias na mídia morre pelos mesmos motivos que o pai da amiga, que a vizinha ou que o filho de alguém. A dor é acentuada pelo impacto de perceber que somos mortais, causando um trauma coletivo», aponta Camilla.
«Ele era muito jovem, com a vida inteira pela frente. Lutou muito para superar essa doença, e as pessoas tinham muita esperança de que ele se recuperasse. A comoção se deu ao constatar que nada está no nosso controle», completa a psicóloga clínica especializada em terapia cognitivo comportamental Evelyn Beltrão.
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Tristeza e muito mais
No luto há lugar para sentimentos que vão além da tristeza. No caso das mortes relacionadas à covid-19, a raiva tem sido uma emoção bastante presente logo no início do processo, uma vez que milhares de pessoas estão morrendo de uma doença para a qual já existe vacina, vacina esta que ainda não chegou à maioria por uma série de decisões tomadas pelas autoridades.
«Estamos vivendo uma sucessão de emoções que causam instabilidades psicológicas. Ao mesmo tempo que temos a dor e o sofrimento, temos de aprender a lidar com a raiva e tudo isso de modo intenso e constante», explica Evelyn, que reforça que cada emoção precisa ser validada.
A inexistência do governo, segundo Camila, auxilia o comportamento do coletivo. «O nosso lado mais infantil e egoísta fala mais alto, e seria nesta hora que as autoridades deveriam entrar com algum plano de ação. Mas nossos espelhos governamentais não ajudam e, por vezes, também não cumprem seu papel.»
Como lidar com o luto
A pandemia tirou a possibilidade do velório como despedida e dos abraços de conforto. Porém, é necessário que o luto não seja negligenciado. Pelo contrário: é agora que as pessoas que perderam entes queridos mais precisam de apoio.
«Trata-se de uma experiência que precisa ser acompanhada, trocada por abraços, olhares compassivos, palavras de carinho e silêncios respeitosos. Tudo isso faz com que não nos sintamos sozinhos diante da dor. A pandemia não permite esse contato, então se fazer presente na vida do enlutado de novas maneiras é muito importante, fazendo contato telefônico, chamada de vídeo etc», afirma Evelyn.
Para Camilla, abafar o luto pode representar riscos. «Guardar o que se está sentindo não é legal e irá trazer mais sintomas. Imagine deixar agua parada por muito tempo. Ela ficará escura e atrairá bichinhos e mosquitos letais. Então o interessante é não deixar de compartilhar o que sente, seja com amigos, alguém de confiança ou mesmo um psicólogo», conclui.