Paquera ou interrogatório? Para muitos solteiros, os dois. Em tempos de pandemia, muitos têm aprofundado o bate-papo e procurado saber detalhes da rotina, da família e da saúde do parceiro antes de cogitar qualquer contato ao vivo. Visando se proteger do novo coronavírus, eles criam as próprias regras para continuar se relacionando enquanto a vacina não chega para todos.
O gerente de projetos Bruno*, de 35 anos, terminou um relacionamento de três anos em fevereiro e precisou reaprender a ser solteiro em um momento bastante desafiador.
De cara, Bruno notou algumas mudanças. «Antes a gente se arriscava mais, tanto no contato pessoal como nos aplicativos. Se estava em uma balada ou em um bar, já beijava antes mesmo de saber o nome da outra pessoa. Agora o critério mudou. Além da aparência física, que é o primeiro atrativo, é importante ter uma conversa mais profunda, saber com quem ela mora, como é sua rotina etc. São perguntas que nós não fazíamos.»
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O rapaz avalia que hoje a interação está muito mais no virtual, tanto em apps como nas redes sociais. Se surge o interesse, tem início a investigação sobre os hábitos do outro. «Perguntas como se a pessoa faz exame de testagem regularmente e se o último é recente são bem comuns. A conversa vira quase uma consulta médica», brinca.
Bruno conta ainda que estabeleceu critérios, como ir com o «crush» a locais públicos – parques ou padarias – nos dois primeiros encontros e, só depois, partir para o privado. Ele, que mora sozinho, ainda toma o cuidado de fazer uma quarentena antes de ter contato com familiares. «Quando saio com alguém fico duas semanas sem visitar minha mãe, por exemplo.»
A preocupação com a doença fez o gerente ficar mais seletivo. «Antigamente as coisas funcionavam na tentativa e erro. Hoje só encontro alguém com quem realmente rolou ‘match’.»
A turismóloga Manuela*, de 34 anos, já era solteira antes da pandemia começar. Desde março do ano passado, viu a necessidade de mudar a rotina para preservar sua saúde e a dos pais, com quem mora. Preferiu não conhecer gente nova. Ao contrário, manteve apenas alguns «contatinhos» em quem confia.
«Mesmo tendo saído com pessoas que eu já conhecia, a dinâmica mudou. Passei a fazer mais perguntas para entender se elas também estão se cuidado e se estão isoladas por 14 dias», afirma.
Conversa, aliás, é essencial para Manuela. Antes de sair com o primeiro rapaz durante a pandemia, uma série de questionamentos surgiram, desde os mais simples até os mais inusitados. «Chegamos a cogitar se transaríamos de máscara, o que acabou não acontecendo. Mas esse foi um dos papos que tivemos», lembra, aos risos.
A turismóloga já era uma usuária de apps. O uso continuou, mas os encontros, não. «Tenho conversado com uma pessoa, mas combinamos que vamos nos conhecer apenas quando ambos estiverem vacinados.»
Para ela, «dates» em lugares públicos ficaram no passado por não se sentir segura. Prefere ir à casa dos ficantes, onde segue alguns rituais – tirar o sapato, usar álcool em gel assim que chega e nunca ir de transporte público.
«Sei que não é 100% seguro, mas procuro tomar todos os cuidados dentro do possível. Nos dias seguintes, me observo e tento ficar mais afastada fisicamente da minha família, principalmente evitando ir à casa de avós ou parentes que têm mais chances de desenvolver sequelas graves», conta Manuela.
Mais intimidade
Para Bruna Richter, psicóloga clínica, solteiros – especialmente jovens – têm se mostrado mais cautelosos e seletivos. A aceleração característica da idade deu lugar à hesitação, e o modo impulsivo está, aos poucos, abrindo espaço para a especificidade. «Eles permanecem mais tempo em diálogos que não apenas entretém, como fortalecem os laços estabelecidos com um par, em detrimento de encontros mais diversificados. Busca-se conhecer mais intimamente o outro antes de se lançar em uma nova aventura nos dias atuais», afirma.
Relacionamentos mais profundos, com mais diálogo e confiança, refletem na chamada «bolha social», como explica Jéssica Siqueira, psicóloga especializada em sexualidade e colaboradora da plataforma Sexo sem Dúvida. «Trata-se de uma restrição a pessoas fixas para encontros durante o período de maior flexibilização no isolamento social. Se houver um acordo bem estabelecido, com ambos seguindo todos os protocolos de segurança, as chances de contaminação se tornam menores, mas não nulas», alerta.
Para preservar a saúde física e psíquica dos solteiros, o universo digital tem se mostrado eficiente, uma vez que não interrompe os impulsos de promover novas conexões. «O digital possibilita a promoção de novos encontros e o estreitamento e fortalecimento das relações desenvolvidas. É um instrumento muito potente e prático ao minimizar o sentimento de solidão que se expandia no inicio da reclusão», afirma Bruna.
O aplicativo de paqueras Tinder divulgou uma pesquisa que põe em números o que diz a psicóloga sobre a necessidade de se conectar, mesmo que através de uma tela. O levantamento revelou que foram enviadas 19% mais mensagens por dia em fevereiro de 2021 em comparação a fevereiro de 2020. Além disso, conversas foram 32% mais longas durante a pandemia.
Conversas de todos os tipos ganharam destaque, tanto as corriqueiras como as mais picantes também. «O sexting (troca de mensagens eróticas) tem novos adeptos. Considerando o tempo de isolamento social, em que o encontro físico representa risco, ele é uma alternativa quando praticado com consentimento e segurança. A prática é capaz de suprir a necessidade de um orgasmo, no entanto não anula a necessidade do envolvimento físico com outra pessoa», pondera Jéssica.
Apesar dos desafios, a especialista em sexualidade acredita que, ao fim da pandemia, a geração carregará ensinamentos benéficos para o resto da vida. «Vamos ver relacionamentos mais saudáveis, com limites e valorização da individualidade, vínculo, amor, respeito e companheirismo fortes independentemente da presença física», finaliza.
*As identidades dos solteiros entrevistados foram preservadas.