Uma das grandes preocupações trazidas pela pandemia foi o impacto na saúde mental. Um estudo do Instituto Informa apontou que, em 2020, um a cada cinco paulistas sofreu algum mal-estar, sendo o principal a ansiedade. Agora, médicos apontam que a crise sanitária também fez crescer o número de pacientes com transtornos alimentares.
Segundo o psiquiatra Táki Cordás, coordenador da especialidade na FM-USP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), ainda são necessários estudos que atestem o aumento de casos de doenças como a bulimia, a anorexia e a compulsão alimentar. Ele aponta, porém, uma alta na procura pelo diagnóstico e tratamento. “Existem observações clínicas de piora dos transtornos alimentares e é fácil entender isso devido ao estresse decorrente do isolamento social.”
Entre os transtornos, o mais comum neste período é a compulsão, em que alimentos são ingeridos de forma exagerada e mesmo sem a presença de fome. O também psiquiatra Eduardo Aratangy, que é membro do departamento de transtornos alimentares do Hospital das Clínicas, explica que, na pandemia, esse consumo exagerado está ligado a uma busca rápida por prazer. “Com as atividades de lazer limitadas pelo isolamento social, como viagens e encontros com familiares e amigos, as pessoas acabam recorrendo a fontes de prazer acessíveis de alívio imediato.”
Conheça os transtornos alimentares
Anorexia:
O que é:
Distúrbio alimentar que leva a pessoa a ter uma visão distorcida do seu corpo, além de uma obsessão por seu peso e pelo que come. Pessoas com anorexia fazem jejuns prolongados e abusam das atividades físicas. Elas têm o peso muito abaixo do normal.
Consequências:
Desnutrição, desmaios, alterações hormonais, redução da imunidade e outros. Em casos mais graves, pode levar à morte.
Bulimia:
O que é:
Transtorno alimentar marcado por compulsão por comida seguida de métodos compensatórios como vômito induzido, uso de laxantes e diuréticos para evitar o ganho de peso. Pessoas com bulimia geralmente têm o peso normal.
Consequências:
Refluxo, desidratação, deteriorização dos dentes, problemas na garganta e gastrointestinais, desnutrição e outros. Em casos mais graves pode levar ao óbito.
Compulsão
alimentar:
O que é:
Transtorno alimentar em que a pessoa ingere grandes quantidades de alimentos em um curto período de tempo descontroladamente. A pessoa com compulsão alimentar não consegue voltar à rotina de alimentação normal.
Consequências:
Obesidade, diabetes, problemas vasculares e outros.
Assim, se perde o controle do que está comendo, com alimentos não saudáveis e em quantidades muito acima do recomendado. “A pessoa não consegue voltar à rotina alimentar. Comer além do que se deve por um dia não é considerado compulsão, o problema é quando isso se torna frequente. Isso pode ter várias consequências negativas para a saúde do paciente”, afirma a nutricionista Natália Tancredo, que é especializada em comportamento alimentar.
A engenheira Mariana Dias, 33 anos, engordou mais de dez quilos no ano passado, quando foi diagnosticada com o transtorno alimentar. “Não é uma questão de ter fome ou não. Eu perdia a noção da quantidade de comida que eu ingeria. A balança subia mas eu não conseguia parar, estava muito ansiosa devido ao isolamento social e as incertezas da pandemia. Precisei de apoio nutricional e psiquiátrico”, conta.
Segundo Aratangy, o maior consumo de telas, como o smartphone, a televisão e o computador, contribuiu para o agravamento de outras condições desde o início da crise sanitária. “As redes sociais acabam moldando o padrão de corpos ideais. Esse padrão pressiona principalmente adultos jovens e adolescentes, o que pode levar ao surgimento ou piora dos quadros de anorexia e bulimia”, explica o médico.
A bulimia é caracterizada pela compulsão alimentar seguida de um método compensatório como vômito ou uso de laxantes e diuréticos. Dependendo do método utilizado, há risco de lesões no esôfago e na boca. Já no caso do uso de laxantes e de diuréticos, pode haver desidratação, lesões no intestino e insuficiência renal.
Pessoas com bulimia geralmente possuem um peso normal, ao passo que aquelas com anorexia estão abaixo do peso. Neste caso, elas se enxergam de maneira distorcida, como se estivessem com sobrepeso, levando a uma obsessão pelo corpo e a alimentação. Pessoas anoréxicas mantém o peso muito abaixo do normal através de jejuns prolongados e práticas de atividades físicas em excesso.Os pacientes anoréxicos podem ficar desnutridos, o que prejudica diversas funções do corpo e pode inclusive levar ao óbito nos casos mais graves. A anorexia nervosa é a doença psiquiátrica com maior mortalidade. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a anorexia tem taxa de mortalidade de 20% entre os diagnosticados.
Alerta
“Existem observações clínicas de piora dos transtornos alimentares. Há uma piora da anorexia, bulimia e compulsão alimentar e é fácil entender isso devido ao estresse decorrente do isolamento social. O tratamento depende do tipo de transtorno, mas de forma geral ele é multidisciplinar. É preciso aliar a psiquiatria à nutrição para obter resultados satisfatórios.”
Táki Cordás, psiquiatra
O tratamento para estas doenças depende do tipo de transtorno, mas em todos os casos, a recomendação é um acompanhamento de diversas especialidades. “O tratamento requer um médico psiquiatra para tratar das crenças e comportamentos do paciente. Além disso, pode ser necessário um endocrinologista ou nutrólogo e um nutricionista para ajudarem na reconfiguração dos padrões alimentares”, diz Aratangy. O uso de medicamentos também depende de cada caso, com a possibilidade de prescrição médica de ansiolíticos ou antidepressivos quando diretamente ligados a outros transtornos mentais.
Especialistas ressaltam ainda a importância de estabelecer uma rotina de alimentação, sono e atividades físicas mesmo em isolamento social. Isso pode ajudar no controle da ansiedade e da compulsão. Além disso, é preciso que a família e os amigos mantenham um olhar atento na aparência e no comportamento do potencial paciente.“É possível prevenir os transtornos alimentares através de práticas saudáveis que ajudem a cuidar do bem estar físico e mental. É importante praticar atividades que dão prazer sem envolver a comida”, explica Natália Tancredo.
* Supervisão: Luccas Balacci