Para muitos, o sonho do trabalho 100% home office está chegando ao fim. Uma pesquisa realizada pela It’sSeg, corretora de seguros especializada em gestão de benefícios, revelou que 62% das companhias pretendem que seus colaboradores voltem aos trabalhos presenciais ainda neste ano. De acordo com o levantamento, 40% desse total queriam o retorno aos escritórios ainda em agosto, 12% em setembro, 24% em outubro, 16% em novembro e 8% em dezembro.
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A pesquisa apontou ainda que 82% das empresas que pretendem retomar as atividades presenciais o farão de forma híbrida, 16% voltarão totalmente presencial e apenas 2% permanecerão em modelo totalmente home office. O estudo foi realizado nacionalmente de 26 de julho a 6 de agosto deste ano, contando com a participação de 81 companhias de todos os portes e segmentos.
Depois de um ano e meio em casa, mais perto da família e longe do trânsito, a mudança pode parecer um pesadelo. O analista de logística Allan Nunes, de 31 anos, é um dos que, por vontade própria, optaria por continuar trabalhando remotamente se pudesse. No fim de agosto, contudo, sua empresa pediu que as equipes voltassem ao escritório todos os dias.
“Não gostaria de ter retornado. Primeiro pela minha segurança e dos meus familiares, pois o vírus ainda circula entre nós e na empresa temos contato com pessoas que não sabemos se estão se prevenindo. Além disso, posso dizer que me encontrei no home office. Sinto que melhorei como profissional”, diz.
Além da insegurança em termos de saúde, Nunes cita o tempo gasto no deslocamento e a necessidade de comer fora como pontos negativos do ambiente de trabalho convencional. “Por outro lado, descobri que, trabalhando de casa, meu rendimento foi muito superior. Considero que o fato de não ter de pegar trânsito todo dia para ir e voltar do escritório é o fator que mais contribuiu para isso. Me senti mais disposto física e mentalmente. Sem contar o tempo que ganhei para realizar as minhas tarefas pessoais.”
Olhar positivo
Há quem, contudo, esteja curtindo a ideia de voltar à rotina pré-pandemia. É o caso da publicitária Mayara Sena, 23 anos. A empresa em que trabalha determinou que os funcionários retornassem pelo menos dois dias por semana, à escolha de cada um.
“Eu nunca gostei de trabalhar no modelo home office. Já tinha tido a experiência em um emprego anterior e voltei a ter na pandemia. Essa última vez foi melhor, admito. Porém, sinto que em casa me distraio mais. O problema é que eu não me sinto no trabalho, já que meu quarto é o mesmo ambiente em que tenho que produzir, dormir e me divertir. Tenho que me forçar a entrar no ritmo”, explica Mayara.
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Apesar de reconhecer que o tempo perdido no trajeto é um ponto negativo, a publicitária garante que enxerga mais motivos bons para trabalhar de forma presencial do que ruins. A interação com os colegas é, para ela, o mais forte deles. “Quando se está em um ambiente agradável, com uma equipe bacana, a troca que se tem é enriquecedora. Além disso, os processos são mais ágeis – não é preciso esperar respostas por mensagem ou por e-mail -, as ideias fluem com mais leveza e há a chance de conhecer pessoas de outros setores”, elenca.
Além das questões individuais, vale a pena ter em mente que a nova mudança de rotina representa, mesmo que de forma lenta, que a vida está voltando ao normal. “Com as atividades retornando, isso significa que a economia também está voltando, o que é um ponto extremamente positivo. O ‘novo normal’ vai ser parecido com o que era antes, mas com muitas melhorias, em um formato mais evoluído e contando com um aprendizado muito grande que todos tiveram”, aponta Sergio Margosian, Associate Partner na Page Executive, especializada em RH (Recursos Humanos).
Como se readaptar
Segundo Margosian, a readaptação após um longo período certamente vai ser um desafio. “As pessoas precisaram se adaptar ao home office e agora precisam mudar novamente. Voltar para o dia a dia, principalmente às empresas que não terão flexibilidade definitivamente, será um desafio além, obviamente, da reestruturação da dinâmica familiar.”
Para tornar esse processo mais leve, será preciso usar a mesma ferramenta da qual nos apropriamos no início da pandemia: a empatia. “Ela precisa partir dos dois lados – tanto da empresa quanto do profissional – a fim de que tudo se reorganize. O mais importante é a conversa e a transparência, não esquecendo que toda empresa precisa gerar resultado. Sendo assim, os profissionais precisam ter essa visão, pensando na companhia de forma madura”, afirma o especialista da Page Executive.
As empresas, por sua vez, terão de estar atentas à saúde mental de seus colaboradores. “Esse é um tema que ainda vamos entender. Pesquisas vão começar a surgir e logo saberemos quais os desafios que vamos encontrar em relação a isso.”
Mais do que uma mudança externa
Para a especialista em Psicologia Organizacional e professora da Uninove Claudiane Reis da Paixão, a volta ao escritório e o consequente incômodo de muitos a partir dessa obrigação vão muito além de uma simples resistência à mudança de rotina. Ela explica que o período em casa motivou uma reflexão sobre valores que antes da pandemia, em meio ao dia a dia atribulado, não tinha espaço para vir à tona. Hoje se entende com mais clareza o que importa ou não e o que se deseja.
“As experiências desafiadoras – como é o caso da pandemia – fazem parte da evolução humana. As pessoas sempre aprendem em meio à dor e é comum que comecem a fazer a seguinte conta: o que eu perdi e o que eu ganhei. Isso faz com que elas passem a se questionar sobre a rotina que tinham, por exemplo. Costumo dizer que é um momento de revelação, como se um véu caísse. Entendemos que queremos nos sentir seguros e ter mais qualidade de vida, por isso essa resistência com o fim do home office”, explica Claudiane.
Para lidar com funcionários mais conscientes de suas necessidades e vontades, a psicóloga afirma que é preciso que as empresas se preparem para o diálogo e para a escuta ativa. A gestão de pessoas se faz mais necessária do que nunca.
“Importante lembrar que as organizações são construções sociais e humanas, portanto, habitadas por indivíduos – alguns de um lado, tomando decisões, e outros de outro, executando. Talvez essa seja a primeira vez que estamos sendo convidados a praticar a administração participativa efetivamente, estabelecendo uma conversa genuína entre esses dois grupos”, reflete.
Ainda de acordo com a psicóloga, o funcionário só conseguirá se posicionar perante à companhia e seus líderes se tiver a noção de suas capacidades e de sua importância na construção e manutenção daquele negócio. Nesse contexto, a autoestima é fundamental. “Dar visibilidade às próprias qualidades, potencialidades, virtudes e talentos é importante, e a psicologia positiva nos ensina como.”
Claudiane diz que a saída neste momento é tentar chegar ao melhor acordo possível, onde ganha a empresa e ganha o colaborador. A especialista ressalta que o funcionário não deve, jamais, tentar tirar vantagens apenas para si. O ideal é entender o papel de cada um nessa grande engrenagem que é o mundo corporativo e, a partir do momento em que o indivíduo entende a sua função, a relação pode se tornar muito mais produtiva.
Vale destacar que a reflexão se aplica a uma parcela ainda pequena e privilegiada na população. Trata-se daquela fatia que teve acesso à educação e hoje tem condições para questionar e buscar o melhor para si. “Não podemos esquecer dos jovens que ingressam no mercado em busca do sustento a qualquer custo, pois precisam simplesmente sobreviver. Esses, infelizmente, não contam com mecanismos de defesa como quem teve mais oportunidades. Justamente por isso, entendo que a sociedade tem muito trabalho pela frente, que passa pela formação de qualidade e pela manutenção das pessoas nas escolas, pois é apenas através do conhecimento que é possível fazer escolhas”, finaliza.