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Negro ou preto? Saiba qual a diferença entre os termos e como usá-los

Emprego dessas duas palavras para definir raça mudou com o tempo e ainda gera confusão

Homem negro rawpixel.com/Freepik/Divulgação

Você sabe como usar corretamente os termos negro e preto? O emprego dessas duas palavras para definir raça está longe de ser simples e, ainda hoje, há uma série de dúvidas em torno da questão. Há quem, por exemplo, pense que se tratam de sinônimos – quando não são. Para muitos, paira o receio de parecer racista ao escolher uma terminologia em detrimento da outra – preocupação, aliás, válida e necessária.

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Para esclarecer o assunto, o Metro World News conversou com Ricardo Alexino Ferreira, professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) e coordenador do Neinb (Núcleo de Apoio à Pesquisa dos Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro), da mesma universidade. Ainda na USP, ocupa o cargo de professor do Programa de Pós-graduação Humanidades, Direitos e outras Legitimidades e é membro da Comissão de Direitos Humanos.

Ferreira explica que, em linhas gerais, o termo negro abraça as subcategorias preto e pardo, sendo os primeiros as pessoas de pele mais escura e os segundos, de pele mais clara. Tratam-se de nichos dentro de uma mesma etnia: a negra.

Mas nem sempre foi assim. A utilização das palavras e seus significados foram sofrendo transformações ao longo da história. «Na segunda metade do século XIX, todo negro desejava ser preto. Isso porque o negro era o escravizado e, no momento em que conquistava a liberdade, se tornava preto. Esse conceito vai até o início do século XX, quando começam a aparecer os movimentos sociais pós-escravidão. O termo negro, então, é resgatado para todos», aponta o pesquisador.

O movimento da contracultura, em 1960, volta a discutir o tema. Nos Estados Unidos, o termo black (preto) se fortalece, enquanto no Brasil o negro se firma. «Naquele momento histórico, a palavra preto já se torna ofensiva por aqui, assim como pardo e crioulo.»

Com o surgimento do movimento rap, nos anos 90, uma nova mudança: o grupo luta para ser reconhecido como preto, e não mais negro.

Freepik/Divulgação

Mais tarde, novas terminologias, como afrobrasileiro e afrodescendentes, começam a figurar, principalmente em ambientes universitários. «O primeiro ainda é comumente usado na academia. Já o segundo perdeu força, uma vez que se supõe que todos os serem humanos surgiram na África», esclarece Ferreira. Além disso, a própria mídia, em telenovelas, começou a se valer da palavra de forma pejorativa, o que praticamente «enterrou» seu uso.

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Hoje chamar alguém de preto – desde que o tom não seja de ofensa – é totalmente aceitável e correto, vindo tanto dos próprios pretos ou de integrantes de outras raças. Contudo, ainda pode causar uma certa estranheza, como causa, inclusive, ao próprio professor da USP. «Particularmente, passei minha infância toda entendendo que preto era xingamento. Hoje não é, sabemos disso. A palavra só define aqueles de pele mais escura. Mas eu ainda me sinto desconfortável em aplicá-la no meu dia a dia», afirma.

Ferreira cita que a definição de pardo também divide opiniões. Para ele, não é a mais apropriada. «Ela voltou a ser utilizada pelos movimentos sociais e pela mídia, mas considero muito imprecisa. Para se ter uma ideia, indígenas acabam sendo denominados pardos, o que vem gerando uma certa insatisfação.»

Fato é que, como ressalta o pesquisador, a língua é viva e, por isso, sofre mudanças a todo momento. «Não é a academia que determina as terminologias, e sim a sociedade. É ela que dá o tom. O papel das universidades é apenas entender esses fenômenos», explica. «Essa ‘dança de termos’, seja relacionado a etnias ou a gênero, acontece porque as questões não estão bem resolvidas e, por isso, precisam ser constantemente atualizadas», completa.

Divisões enfraquecem o movimento

Racool_studio/Freepik/Divulgação

Na visão do professor, segmentar a negritude entre pretos e pardos, classificando um e outro pela quantidade de melanina, acaba gerando debates internos nem sempre positivos.

«O individuo que tem a cor da pele menos escura – o pardo – sofre menos racismo. Já os negros que tem pele mais escura – os pretos – sofrem mais, o que acaba dividindo o grupo», afirma.

O especialista cita um caso protagonizado há alguns anos pela atriz Fabiana Cozza. Ela interpretaria a sambista Ivone Lara em um musical, mas muitos acharam que ela não era «suficientemente preta» para assumir o papel. «Os movimentos sociais criticaram, e Fabiana acabou não atuando. Na ocasião, ela chegou a dizer que sentiu como se tivesse ido dormir negra e acordado branca», lembra.

Ferreira reconhece que as estatísticas provam que pessoas de pele mais escura são mais facilmente alvos da polícia e executam mais trabalhos braçais, por exemplo. Isso não significa, porém, que aqueles com a pele mais clara não enfrentem uma série de desafios.

«Segmentar uma parcela da população que sofre tanta violência social é uma forma de enfraquecimento da luta, e hoje isso é muito presente», analisa.

Transversalidade

Em se tratando de racismo, o pesquisador faz questão de ressaltar que, independentemente da tonalidade da pele, toda questão social é agravada quando o indivíduo «além de tudo» é negro.

«Imagine uma mulher trans, periférica, com alguma deficiência. Se ela é negra, isso torna tudo mais difícil na vida dela. Gosto de lembrar da personagem principal do filme Preciosa: mulher, obesa, com um comprometimento cognitivo, pobre, abusada pelo próprio pai. E negra», cita. «É preciso olhar para os indivíduos levando em conta as transversalidades para entender suas realidades e desafios. A situação enfrentada por uma mulher branca não é a mesma de uma mulher negra.»

O que diz o IBGE

Reprodução/Agência Brasil

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), provedor de informações geográficas e estatísticas do Brasil e responsável pelo Censo, utiliza cinco categorias de cor e raça em todas as pesquisas: preta, parda, amarela, indígena e branca. A padronização ocorre desde a década de 80.

Segundo o órgão, ela se baseia na experiência ao longo dos anos. O IBGE até fez experiências com questionários abertos para a cor ou raça dos entrevistados. Resultado: mais de 100 raças foram contabilizadas. Surgiu de tudo: moreno, moreninho, moreno claro, entre tantos outros. Tabular essas informações e produzir estatísticas ficaria inviável e, por isso, essas grandes cinco raças foram definidas. A partir desse cenário mais fechado, é possível entender melhor a sociedade e suas desigualdades.

Importante lembrar que, em todas as pesquisas do IBGE, a própria pessoa entrevistada declara sua raça, da forma como ela se identifica. Essa conduta serve, segundo o instituto, para evitar vieses subjetivos por parte de quem aplica o questionário.

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