Luísa Félix, de 33 anos, foi surpreendida quando, aos quatro meses de gestação, foi convidada para assumir um novo desafio profissional.
ANÚNCIO
«Eu estava aberta para oportunidades, mas não procurando tão ativamente. Cheguei a ser contata por uma grande startup, mas quando informei que estava grávida, o recrutador não me deu mais retorno, apesar de a empresa divulgar que buscava diversidade. Felizmente, a história acabou com um final mais feliz «, conta.
Hoje, Luísa é Operations Manager na Olist, que fornece solução de vendas online e serviços de e-commerce. Ao começar no emprego novo, veio a insegurança. «Cheguei a pensar que eu tinha ‘uma data de validade’ para mostrar meu trabalho, pois em poucos meses sairia de licença. Mas quando comentei isso com um dos diretores, ele me disse que não fazia sentido, pois a empresa havia me contratado para longo prazo e acreditava no meu potencial», afirma.
Muitas vezes, o descrédito vem de quem está ao redor. «Ouvi de alguns amigos e familiares que ser aceita durante a gravidez seria muito difícil. Eu não percebi, mas esse pensamento estava me limitando. Estava acreditando que minha gravidez me desqualificaria. Mas o meu atual emprego mostrou que estávamos completamente enganados». diz Luísa.
Na opinião da Operations Manager, o exemplo é capaz de fazer com que ideias pré-estabelecidas caiam por terra. «Acredito que quanto mais empresas seguirem o mesmo raciocínio, mais gestantes se sentirão à vontade para buscar novas oportunidades. Você precisa enxergar casos similares ao seu para se sentir mais confiante de que é possível», aponta.
Campanha para a mudança
A scale-up que contratou Luísa aderiu à campanha «Contrate Grávidas». Idealizada pela Bloom Famílias, startup de benefícios corporativos com foco no cuidado de mães e pais que trabalham fora, ela tem ganhado cada vez mais adeptos.
«O projeto tem como objetivo convidar empresas a refletirem sobre a contratação de gestantes e a normalizarem a participação delas em processos seletivos. A maternidade é hoje um grande desafio para o ingresso e manutenção no mercado de trabalho, então resolvemos lançar uma provocação e propor que as corporações repensem suas políticas, olhando para a questão de forma diferente», explica Nathalia Goulart, Head de Parcerias da Bloom e mãe de Tom e Nina.
ANÚNCIO
A ideia é que, em um primeiro momento, as empresas adequem suas vagas, incluindo em seus anúncios a informação de que gestantes são bem-vindas nos processos seletivos e as estimulando a aplicarem às posições. «Ao fazer essa mudança, as empresas passam um sinal para mulheres, mercado e sociedade de que a gestação não é empecilho, e que a grávida não vai ser discriminada, competindo em pé de igualdade com demais candidatos.»
Nathalia esclarece que a proposta não é a criação de cotas, e sim um esforço de transparência, acolhimento e reconhecimento dessas profissionais nos processos seletivos.
«Carreira e maternidade podem e devem caminhar juntas. Acreditamos que filhos não devem ser obstáculos a todas as mulheres que desejam se dedicar ao seu desenvolvimento profissional ou que precisam se manter ativas no mercado. Por isso, precisamos reeducar o ambiente corporativo, fazê-lo entender que é parte do setor produtivo garantir as condições para que essa mulher se dedique ao trabalho, oferecendo políticas, programas e ferramentas para que esse equilíbrio de demandas possa acontecer», diz a Head.
Nathalia lembra que a sociedade ainda tem estigmas muito fortes, como o que dá conta de que mulheres que têm filhos não se dedicam tanto ao trabalho, porque têm outras prioridades. Pensamentos como esse, porém, não encontram respaldo em nenhuma evidência. «O que existe sim é a necessidade de apoio e cuidado. É responsabilidade da companhia garantir que a funcionária possa cuidar de seus filhos enquanto se desenvolve profissionalmente.»
Adesão por um mercado mais igualitário
A Olist, empresa em que trabalha Luísa – do começo desta reportagem – ajustou as descrições de vagas e promete, em breve, fazer uma campanha para as redes sociais reforçando que grávidas são bem-vindas ao time.
«Tivemos a grande oportunidade de conhecer uma de nossas gerentes, que estava grávida no processo seletivo. Isso nos inspirou a dizer que estamos abertos a contratar gestantes, pois o que nos importa é a experiência, fit cultural e competência. Estar grávida durante o processo é apenas um detalhe não determinante para a aprovação ou não», afirma Melissa Guimarães, Chief Human Resource Officer da Olist e que teve dois filhos no início da carreira.
A gestora ressalta que a maternidade e a paternidade fazem parte dos ciclos de vida das pessoas, e isso não é nenhum demérito. «Muito pelo contrário: é a evolução como mulher e homem na construção do núcleo familiar de cada um. Faz parte da vida, assim como qualquer outro passo, e fazer as pessoas se sentirem apoiadas neste momento especial é nosso dever enquanto empresa.»
A Raízs, que conecta o pequeno agricultor de produtos orgânicos ao consumidor final, também embarcou na campanha. A iniciativa veio após análise dos impactos da pandemia.
«Vivemos uma crise humanitária no Brasil sem precedentes, e as mães estão fragilizadas – são as que mais perderam emprego durante esse período. Ao mesmo tempo, ainda hoje, em pleno 2021, muitas mulheres não sabem se devem revelar suas gestações durante processos seletivos por medo de serem desclassificadas como candidatas. Aderir à campanha Contrate Grávidas é uma maneira de jogar luz sobre essa questão e incentivar as profissionais gestantes a não desistirem de se candidatar», aponta Bianca Reame, Diretora de Marketing da Raízs.
A executiva acredita que um mundo mais igualitário passa inevitavelmente pelo reconhecimento das singularidades, e ser mãe é uma delas. «As mulheres vêm conquistando seu espaço no mercado de trabalho, mas ele ainda continua sendo um reduto machista. Não se pode construir uma sociedade mais justa e feliz discriminando, diminuindo e culpabilizando as mães no ambiente corporativo.»
Direitos trabalhistas
O Metro World News conversou com o advogado trabalhista Tiago Damiani, do escritório De Lyra&Damiani, para entender os direitos das mulheres grávidas e mães no mercado.
Confira os principais pontos:
- A mulher grávida conta com estabilidade provisória, que vai desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Trata-se de um direito constitucional. Isso significa que ela não pode ser demitida no período sem justa causa.
- A licença maternidade, segundo a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é de 120 dias. Quando a funcionária se afasta, começa a receber auxílio pago pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A responsabilidade dos honorários passa, nesse momento, a ser do Estado.
- A empresa não pode exigir atestado de gravidez ou qualquer outro tipo de comprovação (como testes, lados ou perícias) antes de admitir a funcionária. O ato pode ser considerado discriminatório.
- A funcionária que descobrir estar grávida durante o período de experiência (até 90 dias após a admissão) também tem direito à estabilidade provisória.
- Gestantes não podem exercer função em locais insalubres e devem ser readequadas.
- Após o nascimento, tanto de filhos biológicos ou adotivos, a mãe tem o direito a dois descansos especiais de meia hora cada durante a jornada por seis meses para amamentação. As empresa tem ainda que fornecer local adequado para a prática.