Seguir na mesma atividade profissional por toda uma vida pode ser um grande desafio. Partindo-se do pressuposto de que estamos sempre mudando - de ideias, de objetivos e até de gostos - parece justo pensar que a carreira escolhida aos 18 anos possa não fazer mais sentido aos 30, 40 ou 50.
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Além do movimento natural, a pandemia despertou ainda mais o desejo de mudança. Uma pesquisa realizada pela empresa Kaspersky e divulgada em março deste ano revelou que 53% dos profissionais brasileiros consideram mudar de emprego no prazo de 12 meses. Segundo o relatório, chamado “Protegendo o Futuro do Trabalho”, os motivos mais citados são: equilíbrio entre vida pessoal e profissional (50%), o desejo por um salário mais alto (49%), a busca por uma função mais “significativa” (31%), reduzir a quantidade de tempo trabalhado (31%) e trabalhar por prazer (14%).
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Apostar na transição de carreira, porém, é um grande passo. A decisão deve ser tomada de forma responsável, sem deixar de ser leve. Segundo Augusto Fontoura, gerente sênior da consultoria de Recursos Humanos Michael Page, a dica de ouro é contar com um bom planejamento. “É importante traçar o objetivo claro e entender que este movimento normalmente não ocorre de forma rápida”, diz. “Estude a fundo sobre a área para a pretende migrar, faça cursos, participe de eventos, desenvolva relacionamento com profissionais do setor e comunique estrategicamente que esta movimentação pode ser interessante.”
A opinião é endossada pela coach em Desenvolvimento Humano e Empoderamento Feminino Mayra Cardozo. “A geração dos millennials (também conhecida como Y ou geração da internet) é imediatista, quer resultados para amanhã e, quando se fala em transição de carreira, é importante ter em mente que as coisas demoram para acontecer. Costumo fazer um paralelo com a natureza. Plante uma flor e observe quanto tempo ela demora para crescer. Não será do dia para a noite. A ansiedade tende a desestimular o profissional, por isso, a palavra de ordem é resiliência”, afirma.
A capacitação também é um ponto ressaltado por Mayra. “Ao mudar de área, o profissional deve partir do princípio de que não a conhece. Então, o flerte com o novo mercado deve ser, em um primeiro momento, acadêmico.”
A coach ressalta, contudo, que as experiências prévias são válidas, mas que a mudança exige também uma boa dose de humildade. Nesse contexto, ela ressalta, inclusive, que o profissional deve estar ciente de que seus rendimentos provavelmente vão cair de patamar em um primeiro momento.
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Idade ou gênero não devem ser limitadores
Para os especialistas, a idade não deve impedir o desejo de mudança. “Precisamos estar motivados e felizes no nosso trabalho. Independentemente do momento, caso a vontade de mudar exista, ela deve ser respeitada e incentivada”, afirma Fontoura.
“Temos uma ideia atrasada de que a nossa vida tem de estar resolvida aos 30 anos. Essa ideia deve ser desnormatizada. Antigamente, as pessoas viviam até os 50, 60 anos. Hoje se chega aos 90. Qualquer tempo é tempo de mudar. E o que é seu interesse hoje pode não ser amanhã. Está tudo bem se reinventar. Pensar em fazer a mesma coisa o resto da vida pode ser assustador, enquanto a ideia de mudar soa como liberdade”, diz Mayra.
A coach, que também é professora de Direitos Humanos, aponta ainda que a transição de carreira para as mulheres costuma ser mais difícil do que para os homens. “A maternidade ainda é jogada contra nós. Digo que é um golpe do patriarcado. O julgamento contra a mulher é forte. ‘Como assim você vai largar o seu emprego se você tem filhos?’, muitas ouvem. É como se elas tivessem que tomar decisões sobre as próprias vidas pensando antes como mães do que como indivíduos.”
Mayra diz ainda que os espaços de poder ainda não são feitos para mulheres. Mesmo com direitos adquiridos, como licença maternidade, o preço a se pagar é alto. “Quando a profissional volta ao seu posto, muitas vezes ela já perdeu seu espaço. É como se a sociedade dissesse ‘quem mandou querer ter filhos’. Esse é um dos motivos que fazem a mulher querer transicionar, ocupar espaços em que ela possa ser ela mesma, sem precisar se masculinizar”, explica.
Os desejos dos millennials
A coach cita que a geração que hoje domina o mercado de trabalho está descobrindo o que de fato gosta, uma vez que a educação recebida não estimulou seus verdadeiros potenciais.
“Fomos obrigados a escolher muito cedo aquilo que amamos, e a escola não valoriza aquilo em que de fato somos bons. Vende-se a ideia de que o aluno tem que se destacar em tudo e não se investe no campo que ele realmente tem afinidade. Além disso, fomos estimulados pelos nossos pais a seguir carreiras tradicionais, nas quais a criatividade é não é um pilar”, atenta Mayra, cuja primeira formação não poderia ser mais tradicional - ela é advogada.
Acontece que os jovens adultos têm múltiplos interesses e vontades, e novos ambientes de trabalho estão nascendo para abraçar essas necessidades que fogem do convencional. E é aí, como explica Mayra, que empresas como Google e Facebook ganham terreno, com seus modelos de trabalho que estimulam a criatividade e aumentam a produtividade dessa geração. “Cada vez mais as pessoas estão apostando na transição para carreiras e empresas que valorizam suas personalidades.”
Para o gerente da Michael Page, o bem estar e a saúde também são fatores que impulsionam a mudança de rumo profissional. “Notamos que carreiras com alto nível de estresse tem um percentual maior de desistência por parte dos profissionais, considerando qualidade de vida, carreira e pensamento de longo prazo”, aponta. “Vejo que posições da área comercial tem uma maior facilidade para a entrada de profissionais em momento de transição, porém também observo que um planejamento bem feito, principalmente focado em relacionamento, abre portas em diversas áreas”, completa Fontoura.
Mudança de carreira ou de ambiente?
O desejo de novas vivências pode não estar ligado a uma nova carreira necessariamente. No entanto, muitas vezes o passo a ser dado não está tão claro.
“Algo que é frequente no discurso de profissionais que almejam esta transição está relacionado à falta de motivação ou alegria de desenvolver aquela atividade. Isso pode ocorrer por um longo período na mesma posição, quando valores éticos da empresa não estão de acordo com o da pessoa, também se a gestão não desenvolve ou valoriza o time ou simplesmente o fato de estar cansado daquela função e querer fazer algo novo”, aponta Fontoura.
Segundo Mayra, para tirar a dúvida sobre se a inquietude está ligada à profissão ou ao ambiente de trabalho, o profissional deve, antes de mais nada, descobrir quais são os valores que regem sua vida. “Depois que os principais valores ficarem claros, se pergunte: a minha profissão os viola? Se a resposta for sim, não há dúvidas: é hora de mudar de carreira, e não somente de empresa.”
Dicas práticas
Avaliou e a transição de carreira é o que precisa ser feito? Confira 10 dicas de Mayra para encará-la de forma responsável e confiante:
1. Faça uma lista de coisas que você gosta X coisas que não gosta no seu emprego atual. Essa descoberta é de extrema importância para enxergar o cenário como ele realmente é no papel.
2. Descubra quais são os seus valores. São aquilo que é mais importante para você na vida e que não deve abrir mão por nada. Passamos grande parte do dia trabalhando, por isso o seu trabalho deve ser um lugar em que você sinta que os seus valores são constantemente respeitados.
3. Descubra quais são as suas forças, o que você faz muito bem. A ideia é que você pare de olhar para as suas debilidades e se torne muito bom naquilo que você já faz bem e explore isso na sua carreira profissional.
4. Estabeleça uma política de limites. Ao escolher uma nova carreira, você deve definir o que não vai tolerar. É importante que você deixe isso bem claro na construção do seu próprio negócio ou até mesmo nas suas entrevistas de emprego.
5. Para mulheres: não tenha medo de sonhar alto e ser ambiciosa. Há grande tendência das mulheres em se desvalorizarem e se diminuírem - seja em entrevista de empregos ou em momentos de feedback. Valorize e reconheça a grande profissional que você é. Se você não se der o seu devido valor, ninguém vai fazê-lo.
6. Desenhe qual seria a sua rotina perfeita. Defina a maneira que você quer viver o seu dia a dia. Diante disso, busque por lugares e opções que respeitem esse estilo de vida.
7. O seu principal conselheiro é sempre você. Pessoas vão tentar te desestimular nesse processo. Entenda que esse desestímulo não é sobre você, mas sobre elas mesmas. Se empodere da sua própria voz e da sua opinião.
8. Verifique suas finanças e garanta que você tenha guardado um dinheiro para que você possa se sustentar, sem gerar ansiedade no processo. Além disso, verifique um valor ideal de salário que mantenha o seu padrão de vida e vá em busca apenas por opções que viabilizem isso. Se você estiver empreendendo, construa o seu negócio com base naquilo que você consiga se sustentar.
9. Mude com segurança. No início, se você tiver um emprego convencional o ideal é que não se desvincule desse seu emprego de imediato, que use o sustento desse emprego como um “banco de financiamento” para o seu projeto futuro”.
10. Entenda como as coisas demoram para acontecer e não desista nas primeiras dificuldades. Uma transição de carreira como tudo na vida é um processo, por isso, celebre suas pequenas vitórias e tenha calma. As coisas demoram mesmo para “vingar” e não avançam conforme a velocidade que queremos. O fato de elas não darem certo de primeira não significa que você não está no caminho certo. Insista em você.