O resgate de uma família que passou 17 anos em cárcere privado, no Rio de Janeiro, chocou quem acompanhou os noticiários nos últimos dias. Uma mãe e seus dois filhos foram encontrados desnutridos e amarrados em uma casa em situação precária. A mulher disse que eles eram constantemente torturados pelo marido, que foi preso. Agora, as vítimas recebem atendimento psicológico, mas até que ponto podem voltar a ter uma “vida normal”?
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O Metro World News conversou com Angelita Devequi Rodrigues Traldi, psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera, para entender quais são os danos psicológicos a uma pessoa mantida em cárcere privado. Ela explicou que estudos apontam que essas vítimas apresentam sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
“E, segundo as perícias psicológicas, não existem diferenças com relação aos sintomas com mais ou menos tempo de cárcere. Os danos podem ser os mesmos de um sequestro relâmpago ou um cárcere de anos. Ambos os casos acarretam danos psicológicos e consequências negativas à vítima, impossibilitando o retorno às atividades sociais, profissionais e emocionais”, destacou.
Segundo Angelita, em casos como o da família resgatada, o trabalho de reabilitação deve ser longo, mas não é impossível que eles tenham uma vida considerada “normal”.
“Será um processo longo de reabilitação física, social e emocional. O desenvolvimento de uma pessoa ocorre com a troca, interação, de forma gradativa. No cárcere privado, sem essa troca, ocorre a estagnação seguida de prejuízo de práticas comuns. Dessa forma, a reabilitação acontecerá de forma gradativa, com pequenas conquistas”, disse a especialista.
Como os danos psicológicos são mensurados?
A psicóloga explica que é feito um trabalho com a vítima para identificar quais danos a afetam. “Esse trabalho é realizado pela perícia psicológica. O perito psicólogo faz uma leitura dos processos psicológicos de conflitos familiares, situações no trabalho, entre outros, até chegar na situação traumática”, revela.
A especialista diz que existem várias terapias que podem ser aplicadas, mas a humanista é a mais indicada em casos de Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
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“A terapia humanista é a mais indicada, que propõe um resgate do ‘eu ideal’, explora a autoimagem, autoestima, encontrando um meio que mais agrada o paciente, construindo uma personalidade com comportamentos, pensamentos e emoções que deixa o paciente em uma situação confortável e benéfica. Dessa maneira ele consegue reestruturar sua autoimagem, resgatando assim a baixa autoestima, ansiedade e estresse pós-traumático”, ressaltou ela, que explicou que o uso de medicamentos por esses pacientes depende de “uma avaliação médica”.
Medo extremo
No caso da família que passou 17 anos em cárcere privado, a mãe disse que tinha medo do marido, que foi ficando cada vez mais agressivo ao longo dos anos. A mulher disse que era impedida de trabalhar fora e que o homem nunca deixou que os filhos frequentassem a escola. Além disso, ela relatou que ele os deixava até três dias sem comida, que costumava bater neles com fios e que chegava a enforcá-los.
O homem, Luiz Antonio Santos Silva, também costumava ouvir um som muito alto na casa, o que fez com que vizinhos o apelidassem de “DJ”. De acordo com os relatos de testemunhas, a ação tinha o objetivo de impedir que os gritos de socorro das vítimas fossem ouvidos.
A mulher disse que tentou pedir socorro várias vezes, mas nunca conseguiu. Após a repercussão do caso, muitas pessoas questionaram nas redes sociais a postura dela, dizendo que ela foi conivente e que poderia, sim, ter denunciado o marido anteriormente.
No entanto, Angelita explica que em casos como este, o medo extremo pode “paralisar” a vítima e a deixar sem ação contra o seu agressor.
“A vítima pode ficar sem reação. O medo é uma sensação gerada em situação de perigo. Suas consequências são físicas e emocionais. Ele paralisa uma ação, causa palpitação, sudorese, tremores, sensação de bloqueio, entre outras”, ressaltou a psicóloga.
Agora, a especialista diz que a família vai precisar de um acompanhamento psicológico contínuo. “É um processo longo, que exige um trabalho de uma equipe multidisciplinar para reintegração social desses filhos para que tenham condições psicológicas e emocionais para convivência e interação na vida cotidiana. No início, a lembrança dos momentos traumáticos será persistente, a reabilitação é um processo que exige dedicação e persistência”, concluiu.
Como foi o resgate?
O resgate da família ocorreu na última quinta-feira (28), após uma denúncia anônima. Os policiais foram até o endereço indicado, no bairro da Foice. Lá, encontraram a mulher e os dois filhos, sendo uma jovem de 22 anos e um rapaz, de 19, que estavam em situação precária. Eles estavam na casa sem condições mínimas de higiene, muito sujos e desnutridos.
Segundo o “Fantástico”, um dos PMs que participou da operação contou que os filhos do casal aparentavam ter problemas psiquiátricos. O rapaz foi encontrado com os pés amarrado por uma corda. Já a garota estava com as duas mãos amarradas aos pés e sentada no chão. Já a mãe estava andando pela casa.
Silva prestou depoimento após ser preso e preferiu ficar em silêncio. Informalmente, alegou que queria proteger os filhos, que têm deficiência. Ele vai responder pelos crimes de tortura, cárcere privado, sequestro e maus-tratos.
Depois de ser resgatada, a mãe contou em um vídeo, divulgado pelo jornal “Extra”, como ela e os filhos eram torturados: “Ele batia, xingava, deixava a gente sem comer, sem água. Graças a Deus eu consegui pedir ajuda para uma vizinha minha, passei o contato da minha irmã, aí fizeram uma denúncia anônima. Os policiais prenderam ele e me levaram para o hospital. Fui muito bem tratada pelos enfermeiros. Eu e meus filhos”, relatou.
Agora, ela está na casa de parentes também agradeceu pela ajuda. “Hoje meus filhos estão dormindo na cama, que eles não tinham. Estão conseguindo dormir. Está tudo bem. Graças a Deus. Eles ainda estão um pouco agitados porque para eles é tudo novo, mas se Deus quiser vai dar tudo certo e vai melhorar” contou.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro informou que a mulher e os filhos apresentavam quadro de desidratação e desnutrição grave e que receberam o devido atendimento médico. Além disso, a pasta destacou que terão acompanhamento dos serviços social e de saúde mental.