Ex-estudantes do Damásio Educacional, que foram alunas do professor e juiz do trabalho de São Paulo Marcos Scalercio, de 41 anos, acusado por assédio sexual e estupro, disseram que tentaram denunciar a conduta inadequada dele desde 2016, mas nada foi feito pela instituição de ensino. Após repercussão do caso, mais de 30 mulheres procuraram a ONG Me Too Brasil para dizerem que também foram vítimas.
Scalercio é juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT) e professor de direito material e processual do trabalho no Damásio Educacional. O magistrado nega as acusações feitas pelas mulheres e afirma que já foi absolvido pela corregedoria do tribunal e teve as denúncias arquivadas. Na terça-feira (16), o magistrado pediu férias TRT e se afastou das funções.
No entanto, novas denúncias de assédio sexual chegaram ao conhecimento da Me Too Brasil, que oferece assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual. Recentemente, três mulheres procuraram diretamente a ONG para formalizar as reclamações. A partir daí, os casos foram levados ao ao Conselho Nacional do Ministério Público. Agora, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em Brasília, e o TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), em São Paulo, apuram as três acusações.
Até a tarde de terça-feira, já eram 30 novas denúncias registradas pela ONG e os casos também deverão ser levado às autoridades. Parte dessas vítimas eram ex-alunas do Damásio Educacional, que relataram nas redes sociais que, desde 2016, procuraram a instituição de ensino para denunciar o magistrado, mas disseram que nada foi feito.
No Instagram do cursinho, alguns comentários de mulheres diziam que levaram ao conhecimento da instituição denúncias da maneira como Scalercio abordava as alunas, que, segundo elas, se sentiam incomodadas.
“Fiz uma denúncia para o coordenador do curso preparatório da OAB segunda fase em 2016! Reclamando dele! O que aconteceu? NADA. Papo escroto, vc vai tirar dúvida e ele começa a falar sobre sua vida pessoal e intimidades”, escreveu ex-aluna.
Em entrevista ao site G1, uma delas contou como foi abordada pelo juiz nas redes sociais, em 2018, e que reclamou ao cursinho sobre a postura inadequada do professor em relação a uma aluna.
“O professor Marcos Scalercio estava com conduta inadequada nas redes sociais, no caso, misturando a parte profissional com a pessoal, e isso estava me constrangendo nas aulas, em vê-lo aos sábados”, disse ela, que destacou o que ouviu de um funcionário do Damásio Educacional. “Ele pediu desculpas e disse que isso seria averiguado. Mas a resposta nunca veio”, lamentou a jovem.
“Depois deixei o curso e fui para outro”, disse a ex-aluna, que contou que ficou assustada com a forma com que o juiz a tratou nas redes sociais. ”Ele me procurou no Instagram, passou o celular dele, e ali mesmo já começou dizendo coisas como se eu curtia beijos no corpo todo, perguntava se eu era santinha ou safadinha. Dizia que gostava de preliminares”, contou a vítima. “Me sentia constrangida e invadida até pelo linguajar.”
Procurado pela reportagem, o Damásio Educacional negou que soubesse de casos de assédio sexual envolvendo o professor e juiz e destacou que nunca recebeu nenhuma denúncia pelos canais oficiais da instituição.
“A instituição ressalta que não recebeu manifestação de estudantes em seus canais oficiais”, destacou em nota. “Os Canais Oficiais são: Ouvidoria e Fale Conosco. Ambos estão disponíveis no portal da Instituição.”
Na segunda-feira (15), a direção do cursinho comunicou o afastamento de Scalercio das atividades “até que o caso seja esclarecido e concluído”, informou um trecho do comunicado.
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Entenda o caso
As denúncias de assédio sexual chegaram ao conhecimento da organização sem fins Me Too Brasil, que oferece assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual. De acordo com o site de notícias, três mulheres procuraram diretamente a ONG.
Ao tomar conhecimento das queixas, o Me Too Brasil as encaminhou ao Conselho Nacional do Ministério Público. Outras seis alunas do cursinho Damásio à época e uma professora de direito também acusam o magistrado de assédio, mas não formalizaram os casos frente à Justiça.
Algumas das mulheres compartilharam prints das conversas que alegam ter tido com ele. As fotos foram divulgadas em grupos fechados de concursos públicos voltados a mulheres e acabaram encaminhadas ao Me Too Brasil.
Em nota, a defesa de Scalercio destacou que as acusações “já foram objeto de crivo e juízo de valor pelo órgão correcional e colegiado do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região. O Dr. Scalercio foi absolvido pelo tribunal e o caso foi arquivado. Foram ouvidas 15 testemunhas no processo. O arquivamento portanto demonstrou que o conjunto probatório, obtido no exercício do contraditório, é absolutamente insuficiente para dar lastro em qualquer dos fatos relatados”.
“É de se esclarecer que a passagem do caso pelo CNJ - Consellho Nacional de Justiça, é etapa natural de qualquer expediente em que se delibera pelo arquivamento no âmbito regional. Não se trata, portanto, de nova investigação, até mesmo porquanto inexistem fatos novos. Também é preciso esclarecer que o Dr. Scalercio não responde a qualquer resvalo na esfera criminal, sendo inverídica a informação que parte do pressuposto que o magistrado está denunciado criminalmente”, continuou o texto.
“Uma vez mais, reitera-se o compromisso deste magistrado e seus advogados com a apuração da verdade dos fatos e seu respectivo contexto, na lógica do devido processo legal. O Dr. Marcos Scalercio é profissional de reconhecida competência e ilibada conduta pessoal, quer seja no âmbito acadêmico, quer seja no exercício da judicatura”, concluiu a nota.
Assédio dentro de fórum
Uma das vítimas que formalizou a denúncia contra o juiz disse que, em 2018, foi agarrada e beijada à força por ele dentro do gabinete dele no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.
“Ele se levantou, veio perto da minha cadeira, se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que ‘sabia que eu queria’ e, como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila”, afirmou a vítima.
Ela lembra que chegou a ficar com marcas nos braços por ter sido pressionada com força pelo juiz, que disse: “Sei que você quer”. A mulher disse que o empurrou e ele passou a dizer que tinha muitas pretendentes.
“Ele só falou: ‘Eu sou juiz, tem um monte de mulher que quer sair comigo, e você não tem prova e não vai poder fazer nada’. Na hora eu não falei nada, só teve um momento um pouco antes que eu peguei o celular e tentei filmar, mas ele tirou da minha mão e disse que eu não tinha provas e que eu não poderia fazer nada. Fui fechada naquele gabinete e com certeza, pelo fato de eu ter um cargo inferior, quem sairia punida seria eu”, continuou.
Em entrevista ao site G1, outra vítima contou que era aluna de Scalercio no cursinho Damásio, em 2014, quando ele a abordou e a convidou para sair. Ele a abordou pelas redes sociais e ficava oferecendo ajuda.
“Ele ficava falando de me levar livros até a minha faculdade e um dia simplesmente apareceu. Entrei no carro dele e nós fomos numa cafeteria próxima ao local, quando ele tentou me agarrar”, afirmou ela.
“Na hora, eu falei que não queria isso, fiquei assustada e me retirei daquele local. Depois ele passou a mandar mensagens nas redes sociais dizendo que a gente tinha que sair juntos. Eu me recusava, e ele falava coisas do tipo: ‘Como você não quer sair comigo, eu sou juiz, você não tem noção de quem eu sou?’. Depois disso, eu bloquei ele nas redes”, completou a mulher.
Ela disse que continuou frequentando as aulas, mas que o juiz passou a tratá-la com indiferença. Depois disso, quando já estava formada, ela o reencontrou em uma audiência e foi impedida por ele de fazer perguntas.
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