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Órgãos com HIV: mãe diz que bebê teve que tomar remédios após ter diagnóstico errado em laboratório

Exame deu falso positivo para o vírus antes do parto; mãe e filha tiveram que passar por protocolo de saúde

Laboratório é investigado depois que seis pacientes transplantados foram contaminados com HIV
Dona de casa Tatiane Andrade, de 30 anos, denunciou que laboratório PCS Lab Saleme errou em resultado de exame, que fez a filha recém-nascida passar por tratamento com antirretroviral (Reprodução/TV Globo)

O caso dos seis pacientes infectados com HIV após serem transplantados, no Rio de Janeiro, continua rendendo desdobramentos. Enquanto a Polícia Civil e autoridades de saúde investigam as falhas cometidas pelo laboratório PCS Lab Saleme, outras denúncias graves apontam que os erros eram constantes. Um deles quase enlouqueceu a dona de casa Tatiane Andrade, de 30 anos, que teve um falso positivo para o vírus antes do parto. Por conta disso, a filha recém-nascida chegou a receber tratamento com antirretroviral por 28 dias.

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Em entrevista ao site G1, Tatiana contou que a filha nasceu no hospital particular NeoMater, em setembro de 2023. Na ocasião, ela foi submetida a um teste de HIV, coletado por técnicos do PCS Lab Saleme, sendo que o resultado foi positivo. Assim, o médico disse que sua filha teria que iniciar o tratamento assim que nascesse.

“Colheram meu sangue e minha filha nasceu. Porém, algumas horas depois, um médico foi e me disse que o teste deu positivo pra HIV e que minha filha, com minutos de vida, começaria a tomar o coquetel”, contou a dona de casa.

Com o laudo positivo para HIV, assinado pelo ginecologista Walter Vieria, responsável técnico pelo laboratório, Tatiana foi impedida de amamentar e teve que seguir um protocolo para casos de mães com o vírus. Além da filha ter começado a tomar os antirretrovirais, a dona de casa ainda tinha que se explicar ao marido. “Eu só me desculpava para o meu esposo falando que eu não fiz nada e pedia desculpa pra ele se caso o tivesse contaminado”, lembrou ela.

A família viveu essa agonia por quase um mês, quando ela e a filha passaram por testes mais aprofundados para confirmar o diagnóstico e a surpresa veio: elas não tinham HIV.

Depois disso, a dona de casa disse que procurou o laboratório para questionar o erro, mas eles alegaram que o erro era da maternidade e dificultaram acesso aos documentos. Assim, a mulher reunia os dados para entrar com um processo, quando viu as notícias sobre os pacientes infectados após transplantes e decidiu ir até uma delegacia.

Tatiana afirma que o erro do laboratório gerou transtornos que ainda não acabaram. “Por razões de plano de saúde, eu faço terapia na mesma rua da sede do PCS Laboratórios, e passar por lá me entristece e me faz reviver tudo que eu vivi”, disse ela ao G1.

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O que disseram os envolvidos?

O hospital NeoMater disse que não pode comentar sobre o tratamento aplicado às pacientes, em “razão do sigilo”. “Mesmo após a alta mantemos à disposição todos os resultados dos exames realizados e acesso ao prontuário, exatamente por ser direito do paciente”, disse a unidade de saúde.

Já o PCS Lab Saleme não comentou o erro no exame, mas informou “que o resultado do terceiro teste da gestante estava disponível desde o dia 29/09/23, mesma data em que foi acessado pela maternidade. Entre 12/10/23 e 14/01/24, o resultado do exame foi impresso 12 vezes pela equipe da maternidade, conforme registro em sistema. O PCS Lab esclarece, ainda, que é responsabilidade dos hospitais informar os resultados de exames de pacientes atendidos ou internados nessas unidades”.

Pacientes infectados com HIV

O erro que resultou na infecção dos pacientes ocorreu dentro de uma das unidades do laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme), contratado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. O estabelecimento emitiu laudos negativos de HIV para dois doadores de órgãos que tinham o vírus. Ao todo, nove órgãos foram doados, sendo que seis pessoas foram contaminadas.

O caso só foi descoberto depois que uma pessoa, que foi transplantada em janeiro deste ano, procurou atendimento médico no último dia 10 de setembro. Ela passou por exames, que atestaram a infecção por HIV. Como antes do procedimento o mesmo exame teve resultado negativo, levantou a suspeita sobre o transplante.

Assim, o hospital notificou a Secretaria Estadual de Saúde, que instaurou uma investigação. Havia amostra do sangue de um doador guardada no Hemocentro do Rio, quando novos testes foram feitos e positivaram para HIV. Depois disso, a pasta levantou quem recebeu os órgãos dessa pessoa e descobriu que mais duas delas foram infectadas.

O caso continuou sendo apurado e só no início de outubro foram identificados mais três pacientes contaminados a partir daqueles órgãos, mas isso porque outro homem procurou atendimento médico e descobriu que está com HIV.

A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro informou que, desde a descoberta do caso, o PCS Saleme não presta mais nenhum tipo de serviço ao estado. Agora os testes dos doadores passam a ser feitos exclusivamente pelo Instituto Estadual de Hematologia.

Já o laboratório PCS Saleme disse, em nota, que os resultados preliminares da sindicância interna apontaram um erro humano na transcrição dos resultados dos dois testes de HIV. Informou também que está à disposição das autoridades e colaborando com o governo do Rio de Janeiro. Além disso, informou que dará todo o suporte necessário às vítimas assim que tiver acesso oficial às identidades delas.

Após a repercussão do caso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Vigilância Sanitária do Estado realizaram uma vistoria e fecharam a unidade do laboratório PCS Saleme, localizada dentro de um instituto de saúde na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Investigação

Conforme o delegado Felipe Curi, secretário estadual da Polícia Civil, o estabelecimento reduziu as análises dos órgãos que seriam transplantados intencionalmente para lucrar. “Houve uma falha de controle operacional na qualidade dos testes de HIV, tudo isso para obter lucro”, disse o delegado, em entrevista coletiva.

Já o delegado André Neves, titular da Delegacia do Consumidor (Decon), responsável pela operação policial, explicou como foi feito esse relaxamento das análises dos órgãos. “Houve uma quebra do controle de qualidade, visando à maximização de lucro e deixando de lado a preservação e a segurança da saúde dos testes”, disse.

“Os reagentes precisavam ser analisados sistematicamente, diariamente, e houve uma determinação, que estamos apurando, para que fosse diminuída essa fiscalização de forma semanal. E essa lacuna, você flexibiliza e aumenta a chance de ter algum efeito colateral — esse efeito devastador que nós estamos analisando”, detalhou Neves.

Os policiais acreditam que, por conta dessa situação, pode ser que o laboratório tenha emitido os laudos sem, de fato, ter feito nenhum dos testes. Além disso, eles ainda analisam se resultados de outros exames também possam ter sido fraudados.

Na segunda-feira (14), a Decon deflagrou a “Operação Verum”, com objetivo de cumprir quatro mandados de prisão e 11 de busca e apreensão em Nova Iguaçu e na capital. Foram presos o ginecologista Walter Vieira, e Ivanilson Fernandes dos Santos, que é apontado como um dos responsáveis pelos laudos.

Os suspeitos são investigados por crime contra as relações de consumo, associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária.

Nesta terça-feira (15), outros dois suspeitos no caso são esperados pela polícia para prestarem depoimentos.

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