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Mirando pessoas com deficiência, músico cria violão que pode ser tocado com uma só mão

Instrumento foi projetado para que possa ser tocado por pessoas com doenças congênitas, mutilações ou paralisia cerebral.

Qualquer pessoa que conheça um violão sabe que são necessárias as duas mãos para tocá-lo, uma para pressionar as cordas, fazendo o acorde, e outra para dedilhá-las, produzindo os sons. Por isso, essa característica geralmente exclui dessa arte as pessoas com paralisia cerebral ou sem uma mão.

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Pensando nesse público, o músico pernambucano Reinaldo Amorim Casteluzzo desenvolveu e patenteou um violão que pode ser tocado com uma mão só.

A estreita relação de Casteluzzo com a música começou quando ele tinha 5 anos, em sua cidade natal, Petrolina (PE), e sua mãe comprou um violão para ele compartilhar com seus dois irmãos.

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«Ela era solteira e não tinha salário, mas fez um sacrifício para adquiri-lo para nós três», conta. «Desde então, me dediquei a estudá-lo e me tornei violonista clássico, e um dos meus irmãos virou luthier [fabricante de instrumentos de corda com caixa de ressonância].»

Influenciado pelo violonista espanhol Andrés Segovia, considerado o pai do violão erudito, Casteluzzo compôs até hoje mais de 200 músicas instrumentais, gravou 15 álbuns e criou vários métodos de ensino de como tocá-lo.

Nos anos 1980, ele começou a dar aulas em conservatórios e notou que havia alunos com deficiências motoras congênitas e outros com mutilações, sem um braço ou mão. Reparou também que não existia em nenhum lugar do mundo um violão adaptado para essas pessoas.

Inclusão de pessoas com deficiência

Daí surgiu a ideia de criar um que pudesse ser tocado por jovens com deficiências. «Tive como foco incluí-los em atividades musicais, não apenas como ouvintes de recitais, mas como participantes ativos na prática musical, tocando o instrumento, que é popular entre os jovens nas atividades de encontros e lazer com círculos de amigos», conta Casteluzzo.

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Para que pessoas com mobilidade reduzida nos membros superiores possam tocá-lo, o violão terapêutico tem um número de cordas maior, 12 em vez das seis do convencional, e tem uma afinação especifica em grupos de quatro cordas, onde cada grupo forma uma tonalidade.

«Além disso, usei a estratégia de combinação das tríades que formam os acordes, para assim construir as notas fundamentais que são a tônica, a dominante e a subdominante, as quais configuram o acompanhamento», explica o músico.

De acordo com ele, essas características tornam possível que pessoas toquem o violão com uma única mão, pois a que faria os acordes é dispensada, porque a frequência harmônica de cada corda está diretamente afinada na altura dos sons que os formam.

No estudo popular de violão, é comum o uso de cifra, desenho do braço do instrumento mostrando onde se deve pressionar os dedos para formar o acorde e onde se deve vibrar ou dedilhar as cordas. «No que criei só é necessário mostrar em qual lugar das cordas se deve vibrar ou dedilhar», diz.

Violão terapêutico

Depois de desenvolver o violão terapêutico, Casteluzzo resolveu testá-lo numa pesquisa para seu mestrado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sob orientação do pediatra Roberto Teixeira Mendes, ele avaliou o uso do instrumento por 14 adolescentes, de 7 a 21 anos, com paralisia cerebral (PC), da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), do município de Arthur Nogueira (SP), todos atendidos pelo Hospital das Clínicas da Unicamp.

Para a intervenção, o pesquisador foi acompanhado de uma psicóloga, uma assistente social e uma professora de música.

O objetivo do estudo era avaliar o uso do violão adaptado na melhora da autoestima de crianças e adolescentes com deficiência motora unilateral em decorrência de paralisia cerebral. Para isso, antes do começo da pesquisa foi aplicado um questionário aos pacientes para verificar a Escala de Autoestima de Rosenberg, que leva o nome de seu criador, o sociólogo canadense Morris Rosenberg. Noventa dias após a primeira intervenção, o questionário foi reaplicado.

Terapia contra paralisia cerebral

Segundo Casteluzzo, os resultados foram surpreendentes. Todos os alunos com paralisia cerebral conseguiram tocar o instrumento e houve um grande aumento da autoestima deles. «Os depoimentos após as aulas deixaram mais evidente os benefícios que a intervenção trouxe para eles», comemora.

«Um participante, de 11 anos, com mobilidade reduzida em um dos membros superiores, afirmou verbalmente em tom de felicidade, expressando sorriso no rosto: ‘eu queria muito tocar violão e pude realizar meu sonho’. Durante o processo de aprendizagem foi geral a demonstração de felicidade dos participantes.»

Quanto ao aumento de autoestima, além de ter sido detectado pela escala de Rosenberg, ele pode ser percebido também nas mudanças no visual, vestimentas, dentes e unhas, preocupação que até aquele momento professores e a psicóloga da instituição disseram não haver visto por parte de alguns dos pacientes. «Todo o corpo da instituição ficou satisfeito com os resultados dos alunos, que até então nunca tinham se envolvido com a prática instrumental», orgulha-se Casteluzzo.

De acordo com ele, o instrumento que desenvolveu serve tanto para o paciente quanto para uso pelo terapeuta, em sua atividade profissional. «Em uma semana, qualquer pessoa consegue tocar dezenas de músicas», garante. «Alguns participantes da pesquisa tinham comprometimento nos dois braços, outros eram cadeirantes. Para um dos alunos, tivemos que prender uma palheta nos dois dedos. Ele conseguia fazer poucos movimentos, mas era tudo o que precisávamos para o nosso trabalho.»

Música faz bem à saúde?

Além do aumento da autoestima dos participantes, foram verificados outros benefícios, como bem estar e distração. «Em entrevista após a intervenção, eles declararam ter superado suas limitações e se sentiam felizes por poder compartilhar esta alegria com seus familiares e cuidadores», diz Casteluzzo.

«A facilidade de tocar e a aceitação desse trabalho poderão se tornar aliados importantes na melhora da saúde. O violão adaptado ainda é algo novo e se faz necessário ter mais pesquisas com amostras maiores de participantes.»

Reinaldo, hoje atuando na área terapêutica, conta que agora será preciso elaborar todas as etapas do procedimento para fabricar o violão em grande escala, construir o instrumento a um menor custo, que hoje é de R$ 2 mil, e colocá-lo no mercado, porque já tem muitos pedidos.

«Já vendemos mais de 50, mesmo com o preço ainda alto», conta. «Também vamos oferecê-lo a centros de reabilitação ou às pessoas que trabalhem na área. Essa é uma apenas uma retribuição que damos no sentido de incluir essas pessoas, pois elas podem fazer muito mais do que pensamos.»

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