Se chicotar por ser quem se é: foi isso o que Garrard Conley aprendeu a fazer no acampamento de conversão sexual que frequentou em 2004, quando tinha 19 anos.
Ele, um jovem homossexual de uma família de fortes tradições religiosas, narra o ódio que sentia de sua natureza no livro “Boy Erased, uma Verdade Anulada”, lançado no mês passado no Brasil.
O livro ganhou os holofotes devido ao cancelamento da estreia de sua adaptação cinematográfica, que recebeu duas indicações ao Globo de Ouro. Previsto para chegar aos cinemas na última quinta, o longa dirigido por Joel Edgerton tem agora previsão de lançamento apenas em streaming, ainda este ano, pela distribuidora Universal.
A decisão – justificada pela empresa como sendo de ordem comercial – foi interpretada como uma reação à onda conservadora atualmente em voga no país e repercutiu nas redes sociais como uma forma de censura.
O ator Kevin McHale, da série “Glee”, foi um dos que se manifestou: “Banir um filme sobre terapia de conversão é perigoso!”, escreveu ele.
Já que será difícil conferir a história de Garrard nas telas, vale apostar no livro de memórias que ele escreveu.
A obra inicia com o protagonista no acampamento para o qual ele foi voluntariamente com o objetivo de se tratar de seu “problema” – era assim que ele encarava sua condição sexual.
Ao longo da narrativa, entendemos como Garrard foi convencido de que os castigos físicos praticados contra si mesmo eram um caminho para mudar quem ele era.
Tudo, porém, é tratado com cuidado para que o livro não seja usado justamente para o contrário do propósito que ele tem, ou seja, incentivar essas terapias em vez de desmistificá-las.
A leitura de “Boy Erased” é agridoce. Embora de antemão saibamos que Garrard vive uma vida feliz e bem resolvida hoje, é triste conhecer o caminho que o levou até ali. Por isso, é melhor ler preparado para as lágrimas, principalmente se você for LGBTQ.
As torturas eram tão intensas que ele chegou a pensar em suicídio. “Era nosso medo da vergonha, seguido pelo medo do inferno, que realmente evitava que cometêssemos”, diz em um trecho.
Elogiado pela crítica, o livro tem uma prosa fluida e vai além das memórias de Garrard ao apresentar um histórico de como as terapias de conversão se espalharam pelos EUA, além de enumerar argumentos contra elas.
A editora Intrínseca, que chegou a lançar o livro com uma sobrecapa temática do filme, disse lamentar seu cancelamento. “Avaliamos que o livro seria uma importante contribuição para debates e que ajudaria a tornar pública a situação que muitos sofrem em silêncio”, disse a empresa por meio de uma nota.