Para você pode ser fácil mexer num aplicativo, escrever no WhatsApp, e organizar a agenda de contatos do celular. Mas, para pessoas cegas ou que têm dificuldade de enxergar, isso é um desafio. E, para ajudar esse grupo que, só no Brasil, é de 6,5 milhões de pessoas, segundo censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foi criada uma ferramenta que promove a inclusão digital e permite que quase todas as funções dos smartphones sejam usadas.
Esse é o assunto da segunda reportagem da série do Metro Jornal sobre como a tecnologia vem sendo usada para facilitar a vida dos cidadãos, promover inclusão social e melhorar os setores de informação, saúde e segurança.
Em uma sociedade cada vez mais digitalizada, com celulares e tablets com recursos de touchscreen (toque na tela), para os cegos ou os com dificuldades para enxergar, não conseguir interagir com autonomia nesses aparelhos significa mais uma barreira no caminho rumo à inclusão social.
O aplicativo Alcance+, desenvolvido em setembro do ano passado pelo CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), em Campinas, é uma evolução do Alcance, criado em 2013, um dos pioneiros em inclusão digital.
O projeto, que atende e responde a comando de voz, recebeu, recentemente, o Prêmio Tela Viva Móvel 2018, na categoria Utilidade Pública/Inclusão Social, em meio a 80 concorrentes. “O CPqD Alcance+ nasceu da necessidade de atender esse perfil de usuário, que já sofre naturalmente com a inclusão social e se via cada vez mais à margem do mundo digital”, explicou Claudinei Martins, pesquisador da Gerência de Tecnologias da Fala, Imagem e Mobilidade do CPqD.
Voluntários
Em 2013, foi feita uma parceria entre o CPqD e o CPC (Centro de Prevenção à Cegueira) de Americana (SP), quando foram feitas oficinas e pesquisas sobre as demandas dos usuários. “Os encontros com os voluntários nortearam nossa pesquisa e apuraram as reais necessidades dos deficientes visuais. O resultado foi o aplicativo, pioneiro, em 2013. As versões foram se aprimorando. Agora, levamos o comando de voz para recursos de entretenimento dos smartphones, como programas de música, despertador, galeria de fotos e vídeos, configurações de fala, campainha e funções ‘onde estou’ e auxílio ao deslocamento”, explica Martins. O aplicativo – disponível para dispositivos Android 5.0 ou superior – utiliza recurso de narração automática das telas por text speech (síntese de fala). As funções do aparelho aparecem na forma de ícones grandes e, conforme o usuário desliza o dedo na tela, uma voz informa a função correspondente.
‘Precisava de ajuda até para fazer ligações’
Tauer Neubern, de 58 anos, nasceu com retinose pigmentar, uma doença congênita, hereditária e degenerativa, que afeta diretamente a retina e causa perda da visão gradual. Quando criança, ele tinha 25% da capacidade de enxergar. Hoje, tem menos de 2% da visão, e é considerado cego. Tauer foi um dos voluntários da parceria entre o CPqD e o CPC, de Americana (SP) em 2013, para o pontapé inicial do projeto que hoje se tornou o Alcance +.
Ele conta que, antes do aplicativo, utilizava o celular apenas para receber chamadas. “Quando os celulares eram de flip, nós, deficientes visuais, conseguíamos, ao menos, fazer ligações, pela posição dos números no teclado. Mas, com os smartphones e as telas de toque, não foi mais possível nem discar para outra pessoa”, lembra. Advogado, Tauer dá aulas particulares. A exclusão social ele conseguiu driblar se inserindo no mercado de trabalho, mas a exclusão digital era um desafio. “Precisava de ajuda até para fazer uma simples ligação. Agora isso mudou.”